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quinta-feira, fevereiro 26, 2004

...dedicado a um velho amor...



“Mão esquerda sinistra precisa de ser lavada segura o cigarro está agora debaixo da mesa em casa faz acorde a acorde acorde em acorde nos seus dedos as canções que crio dedo por dedo acorde em acorde a minha mão esquerda acorda-me deita-me dilacera-me segura o espelho onde me vejo e revejo acorde em acorde afaga os cabelos dela pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos pretos compridos e pretos os cabelos dela que nunca mais acordam ou acordarão nunca mais na minha mão esquerda”.


RMM




quarta-feira, fevereiro 25, 2004

A CONVERSA QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DOS PRESENTES, e foi transcrita de um telemóvel encontrado num lago junto a um rio perto de um mar que se julgava um oceano, se bem que tudo se resumisse a um charco ou a uma poça de água, ou ainda menos a uma gota de suor

- Se nós não temos forças para nos travarmos um ao outro é porque nos estamos a atirar no abismo. Isto não é o eterno retorno, parece mais a queda do que ainda estava de pé.
- Amigo, deixa que a queda se concretize... Só assim poderás saborear a essência da vida. E, não te esqueças: estou sempre ao teu lado.

Deixo-vos com três poemas de amigos pessoais, um deles infelizmente já morto.


DEDICATÓRIA

O longe e o perto limitam-te

Vejo num olhar o esvaziar de desejos
Que grande destino se revela em teu horizonte
Por estes caminhos que passas-abandonado!

Teus lamentos escondem-se!,
Já dissimulados na ausência da verdade
Expulsos!... a felicidade fragmentou-se ela mesma em ti

Tantos são os pedaços esquecidos que te envolvem...
Brisas ásperas! Terra inocente! Grande suspiro!
Rastejando- esvaziado de orgulho- suplicando

Esbarras com um espelho
Vens olhar-te nos olhos, nos teus olhos que te olham
Para que haja, para que exista compaixão da boca que te canta!

Luís F. Simões \ Rascunho



F`s

E, noite fora
gatas mortas
mijando
rosas
de encontro
ao paredão
Seus espinhos cravados
corpos desnudados
tudo o que temos
simplesmente envelhecemos
na muralha, sitiados
à sombra do sol
Vampiros sedentos
pelo virginal
Sangue novo


Paulo Barbosa


EXCALIBUR

“É como neve!” disseste
O homem ácido acena-me todos os dias na mesma posição
Encostado a um poste onde brilha
Uma efémera luz que se retorce num muro
As chamas deste mundo estão verdes
Em deuses tristes hipoteticamente bêbedos
Quem sabe se mesmo drogados mas surgirá algures
Um novo Nero e uma nova Roma no mundo

Se um dia esta cidade arder ou... talvez esta rua
Eu, com um fósforo na mão não é certo ser dado como suspeito
Mas não serei o bombeiro voluntário a correr ao ouvir a sirene
“Em Camelot seremos reis um dia” disseste, princesa criança sob fábulas de livros

Mas... se um dia essa espada surgir flamejante
Rasando um já rasgado céu corta-me os braços
Eu peço-te ou.. então... mutila-me o corpo
E depois atira-a à água
E algures uma nova luz
Chegará um dia abandonada
A uma qualquer praia
“Um dia... “ disseste

Claus Min (1974\ 1998) R.I.P.

segunda-feira, fevereiro 23, 2004

Tenho reparado que certas coisas que ando a colocar neste blog se andam a repetir como se fossem uma espécie de eco.

Assim também como eu, assim como Narciso, a gargalhada sonora que estala como a partir os inúmeros pratos e talheres da vida, partindo a louça toda, esperando esse mesmo eco que persegue essa mesma voz ausente de pássaro sangrento de cordas vocais estoiradas, assim como eu, ausente, de mim e de mim próprio, de todos, de todas as coisas, assim como Narciso e o lago espelho peixes cisnes, assim como Édipo pés cosidos mãe mulher tirano do seu mundo, assim como Prometeu montanha rocha coração segurando o fogo dos homens sob a sombra das águias que lhe dilaceram o ventre, assim como Sísifo pedra homem homem pedra, assim como eu, assim como Cristo caminhando sobre as águas, assim como Narciso, ausente de todas as coisas que não se reflectem nele próprio, assim como eu, assassino de mim mesmo.


Lembro-me muitas vezes da maneira como a colonização espanhola era feita na América Latina... os Conquistadores eram os guerreiros que dilaceravam aqueles que amavam o sol e os seus deuses, os Conquistadores eram os detentores de uma ordem social que se baseava na destruição de tudo aquilo que existia, até então, como a realidade palpável das ditas coisas terrenas.
O Império impunha-se única e exclusivamente pela força das armas bestas humanas e, realmente, não deixava pedra sobre pedra de pé. Aí, quando tudo se reduzia apenas a destroços, aí sim, sobre aquilo que outrora tinham sido cidades, eles edificavam uma nova cidade baseando-se no modelo que conheciam e que determinavam como sendo o único.
E no centro de todas as cidades espanholas, mesmo as transplantadas para um continente diferente, a grande característica por elas evidenciada era terem, nesse mesmo centro, uma Praça de Armas. Como sinónimo de que toda a nova ordem só pode ser edificada por cima dos escombros que destruiu. Com isso eles pensavam que mudariam de paradigma.
Falharam. É preciso muito mais do que isso. Ou talvez menos.



POSTULADOS E MODUS OPERANDI (ou a luta pela sobrevivência de algo que nem sequer se sabe se ainda respira)


Hoje em dia vendeu-se muito a ideia do diálogo e da assertividade, mas isso não pode ser aplicado como o único modelo válido. Há muitas situações em que o conflito aberto é a única hipótese, não se pode dialogar com caveiras a não ser que sejamos uma personagem de Shakespeare.

Dentro de cada um de nós o que é que existe a não ser ossos?



Numa camioneta, não importando para que sítio ela vá, a maior parte das pessoas que se sentam atrás
(digamos que uns 78% se a viagem for de noite) ou são membros de minorias étnicas (partindo do pressuposto errado que a maioria é uma etnia determinada), ou são imigrantes, ou são pobres ou são marginais. Tal facto é inflaccionado se o destino da camioneta for para Lisboa. Repare-se na forma como as categorias aparecem expostas: minoria étnica, imigrante, pobre, marginal. Para quem observa é fácil estabelecer, mesmo que inconscientemente, uma relação associativa entre as quatro. Trata-se de um erro de base, mas que opera como um mecanismo de segregação colectiva, transfigurando-se numa realidade plena aos olhos do mais comum dos mortais. O único factor é quase sempre económico e social, cultural ao de leve, não sei. A pobreza é sempre chutada para as pontas, veja-se o exemplo dos bairros periféricos e dos bairros sociais. É segregada. Nesse sentido segrega-se a si própria. Não faz parte do jogo. Os outros não se aproximam tanto da ponta da camioneta (a não ser que sejam casais que queiram ir no marmelanço) porque sentem um medo inconsciente.
Porque apenas vêem: minoria + imigrante + pobre + marginal= Todos os membros de minorias étnicas são imigrantes, todos os imigrantes são pobres, todos os pobres são marginais.

Grande parte das tipologias da exclusão partem de visões deste género.


Por isso é que, caros amigos, assistimos a muitas pérolas de sabedoria tais como:

- Todos os pretos roubam!
- Todas as brasileiras são putas!
- Todas os romenos são ciganos!
- Todos os ciganos são maus!
- Todos os pobres, de certeza, roubam!


Estabeleçamos um diálogo explicativo entre o Joaquim, advogado, e o Manuel, empregado de escritório.

- Todos os pretos roubam!
- Porquê?
- Porque são pretos!
- Por que é que roubam?
- Porque são pretos!
- Talvez, mas sabes que mais, começo a pensar que todas as brasileiras são putas.
- Porquê?
- Porque são brasileiras.
- Pois, eu pensava que também havia putas portuguesas.
- Não, todas essas portuguesas que são putas são brasileiras!
- É verdade! Mas por que é que são brasileiras?
- Porque são putas!
- Sim, mas olha que todos os romenos são ciganos.
- O que é que tem serem ciganos?
- São maus!
- Mas são maus por serem ciganos?
- Não, por serem romenos.
- Mas por que é que são romenos?
- Porque são pobres!
- Ah, mas por serem pobres é que eles roubam?
- Claro que não, é por serem ciganos.



Pois é.




domingo, fevereiro 22, 2004

"Manhã de imigrantes árabes a venderem relógios Gucci manhã de imigrantes árabes outra vez manhã de imigrantes árabes outra vez manhã de imigrantes árabes outra vez a tua mão pousada no meu ombro atravessa o ocidente como um gigante sol acorda outra vez manhã de imigrantes árabes outra vez atravessas como um pássaro poente manhã de imigrantes árabes outra vez rosas em cruz pelo mar ausente ao meu sonho de anjo que nada de pleno em pleno céu vermelho outra vez manhã de imigrantes árabes outra vez a tua mão pousada no meu ombro.


Naufraga".


RMM

sábado, fevereiro 21, 2004

Mesmo que as palavras já não queiram dizer mais nada, mesmo que já nem o silêncio se importe...
Apenas o necessário suporte, apenas ainda a marca do meu sonho no espelho, apenas ainda o amanhã que espera... o devagar desejo do regressar ao ontem... apenas, a frase prossegue...


“Suicido-me lentamente escrevendo poemas na falta de uma vida o café a colher dissolve lá fora o limão corta a heroína por que é que eu me ralo se o dia chega ou não a acabar por que é que as palavras apenas escondem o que nunca é dito entra a actriz do vestido vermelho e riso vermelho lábios coxas óculos escuros boca mas as cortinas deste teatro nunca se levantaram também eu assim como outros enganados batendo as palmas ao cair do pano”.


RMM


sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Mesmo que as palavras já não queiram dizer mais nada, mesmo que já nem o silêncio se importe...
Apenas o necessário suporte, apenas ainda a marca do meu sonho no espelho, apenas ainda o amanhã que espera... o devagar desejo do regressar ao ontem... apenas, e a frase prossegue...



“Suicido-me lentamente escrevendo poemas na falta de uma vida o café a colher dissolve lá fora o limão corta a heroína por que é que eu me ralo se o dia chega ou não a acabar por que é que as palavras apenas escondem o que nunca é dito entra a actriz do vestido vermelho e riso vermelho lábios coxas óculos escuros boca mas as cortinas deste teatro nunca se levantaram também eu assim como outros enganados batendo as palmas ao cair do pano”.


RMM

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

“SABES MAIS DO QUE EU


Mas nós, tal como outras prostitutas de mau humor
Discutimos os passos que demos no passado
Para ti o que foi feito está enterrado

Sabes mais do que eu

Em vez disso, lemos as notícias da manhã
Na cama-que vazio sem fim nos espera
E nada mais há para se dizer

Sabes mais do que eu

Os cegos são capazes de ver mas resguardam-se no despojamento
De todo o compromisso e cobiça
E nada mais é preciso para se viver

Sabes mais do que eu

Ninguém escuta estas palavras
Ninguém acredita neste trilho
Mas sei ser este o único caminho para mim

Sabes mais do que eu

Que conversa fiada, velho amigo, enche a distância que nos separa
Que montamos como uma armadilha para nós, os ratos
E nada mais há para se dar caça

Sabes mais do que eu

Enterra-me bem fundo entre as ervas daninhas
Que se instilam no coração de todos os fracos
E nada mais há de tão fraco

Sabes mais do que eu
Sabes mais do que eu
Sabes mais do que eu”



Jonh Cale

“ou do Novo se faz Velho e vice-versa

De facto, uma sociedade que se queira consciente tem de ser sempre uma sociedade que faz escolhas conscientes. Hoje em dia a capacidade de escolha dos indivíduos é cada vez mais diminuta. Vive, porém, a ilusão que essa escolha existe e isso é uma imagem que é sistematicamente vendida. Este é um aspecto dentro do qual a publicidade e a propaganda partidária são bons e fiéis exemplos de como a manipulação cognitiva e afectiva é direccionada, cingindo-se, quase em exclusivo, a aspectos mercantilistas, ou de saque social e humano.

Desta maneira não são só os habitantes dos guetos da exclusão que vivem como excluídos. Gradualmente os efeitos perversos de uma globalização sem controle geram esses efeitos em cada um de nós. Mesmo naqueles, que tal como eu, tecem as suas pequenas críticas. Do reclame do iogurte de dieta até ao slogan do deputado em cima de um palanque são muito curtas as distâncias, principalmente de vistas. Mas, mesmo assim, o desencanto das pessoas com os políticos é muito maior do que com os produtos que compram e compram porque todos os dias são bombardeadas para comprar e comprar. Criando elas próprias as suas necessidades básicas que depois têm de manter e manter até surgirem novas e novas necessidades. Porque os principais objectivos do mercado, mercado da comunicação incluído tendo como expoente máximo as telecomunicações, é tornar obsoletos os bens que eles próprios venderam na véspera.

Por mais críticos que sejamos, ou por mais disfóricos que nos queiram chamar, a grande verdade é que todos os ecos da sociedade do consumo e do individualismo de imitar os outros (para não nos sentirmos sós?) penetra em cada um de nós. Mesmo no espírito dos críticos que, sim é verdade, também necessitam que as coisas estejam más para poderem continuar a criticar. Justificando, desta maneira, a sua existência. Não é à toa que a sociedade da comunicação passou a promover os think tank (fazedores de opiniões), ou os chamados comentadores de serão televisivo”.


Ricardo Mendonça Marques, Os Media e a Sociedade da Exclusão


terça-feira, fevereiro 17, 2004

Delírios pela noite delirante...

“C ., a morte, buraco sem fundo, com a vida à volta, não venceu”.

****


Este poema é dedicado a ti e tu sabes


“O vento de leste sopra, trazendo uma chuva morna:
Além do tanque dos nenúfares, o barulho ténue do trovão.
Um sapo de ouro abocanha a fechadura. Abre-a, queima incenso.
Retira água do poço, puxa a corda que tem um tigre de jade.
A filha de Jia espreitou pelo biombo: um jovem encantador.
A Deusa do Rio deixou a almofada ao Príncipe de Wei.
Que nunca o teu coração acorde com as flores da Primavera:
Um punhado de amor é um punhado de cinzas”.

Li Shang-yin

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Mais uma vez escrevo com a boca cheia de sangue e mais uma vez penso no porquê de ser mais uma vez. Como eu já disse uma vez: este é um blog sobre a dor; sendo assim, nada mais lógico que a dor de dentes possa, também, ser incluída no mesmo saco roto. Nada mais lógico do que a lógica que se perde na sua própria falta. Ilógico, temos então a mesma falta de determinismo lógico. Temos então, aliada à mesma falta de dentes, a mesma falta de carácter.

Porquê a necessidade de expor a dor? Porquê a necessidade de uma qualquer resposta? Porquê a necessidade destas três perguntas?


POSTULADOS E MODUS OPERANDI (ou a batalha pela sobrevivência de qualquer coisa que nem se sabe se está viva).

Somos sempre maus consoante a perspectiva pela qual os olhos dos outros nos olham.

As pessoas procuram sempre a normalização seguindo padrões sociais normativos; lidam muito mal com correlações não lineares (em que não existe uma relação facilmente observável entre a causa e o efeito da mesma), neste caso tudo o que não se aproxima da média, por elas definida, é posto de parte e marginalizado.

Todos os sistemas que não sobrevivem à margem do caos caminham para o seu esgotamento lógico.

A tua sobrevivência passou a depender sempre da anulação do Outro.

Quando tu te anulas a ti próprio é porque sentes que perdeste a batalha pelo espaço vital.

Quem define as regras é quem tem a capacidade de se multiplicar em dimensões o mais abrangentes possíveis.

Atira primeiro à cabeça da pessoa mais próxima do líder. Se acertares, atira à última palavra da frase que persegue esta frase; a última palavra é também o líder.

Depois de o fazeres, incendeia o teatro de marionetas.

Depois de o fazeres, vai viver e ser feliz num país do terceiro mundo.

A Caixa de Pandora esteve sempre aberta.


“E respondendo, disseram-lhe: Onde, Senhor? E ele lhes disse: Onde estiver o corpo, aí se ajuntarão as águias”.

Novo Testamento, Lucas, 18

sábado, fevereiro 14, 2004

“Só os Homens vivem o Humano”.

Goethe


“Uma vida é banal na maior parte das vezes a humanidade é a história dos conflitos da espécie humana uma sociedade maldita só poderia parir outro poeta maldito mas o que raios que este século seja ainda os terá em demasiado pereço no anonimato a coberta da noite adormece o sonho triste as curvas do sono empurram-me para o pesadelo outro ciclo diabólico acontece na lua aos bocados que cai e se transforma em ossos”.

RMM


O DIÁLOGO QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DAQUELES QUE FALHAM A FELICIDADE DAS COISAS SIMPLES PORQUE SE JULGAM COMPLICADOS, e foi gravado em segredo naquele dia em que estávamos bêbedos como um cacho de uvas (no caso do cacho, num acto de canibalismo masoquista, se beber a si próprio).

- Como é que te sentes?
- Muito mal, agarrado a um conjunto de situações vagas e indefinidas que me parecem escapar.
- Sim, nesse sentido eu compreendo muito bem. Creio que é também o meu desregramento nervoso que está a contribuir para a queda de cabelo, sinto o corpo todo em ferida e a escamar-se, as virilhas, as axilas, a própria face está áspera como lixa...
- E então, a aproximação da N?
- Não sei, pode ser que sim ou pode ser que não, mesmo que não seja nada. Talvez queira apenas dançar com o Diabo. Porque pensa que o Diabo sou eu.
- De resto, eu, perco grande parte do meu tempo em mails, sms, as coisas arrastam-se nesse prisma algo inconsequente, construindo dilemas e becos sem saída. As cenas esgotam-se na apatia, a compra da navalha não trouxe o abanão social que eu imaginava...
- Sim, eu sei. Outro dia falhado. Depois... outra conversa de merda em cima de outra noite de merda.
- Temos de evitar cutucar as feridas da maneira que o andamos a fazer.
- Acordo a pensar no mesmo, deito-me a pensar no mesmo. Parece que não há descanso!!
- Perdi, no meio do lixo de papel do meu quarto, a minha agenda telefónica. Tinha uma certa vontade de falar com o meu psiquiatra.

“Não vos inquieteis, pois, com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal”.

Novo Testamento, Mateus, 7


sexta-feira, fevereiro 13, 2004

“Três cães castanhos parados numa passadeira que não funciona três cães castanhos parados numa passadeira que não funciona a cores três cães castanhos lutam contra três cães pretos numa orgia sangrenta em que todos se fornicam eu sou castanho e preto
eu sou preto e castanho”.

RMM

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

“As tropas daqueles que são hábeis na guerra podem comparar-se à serpente do monte Heng. Quando atingida na cabeça, a sua cauda ataca. Quando atingida na cauda, a sua cabeça ataca. Quando atingida no centro, tanto a cabeça como a cauda atacam”.

Sun Tzu, A Arte da Guerra


TAROT

Quase três anos depois as cartas repetem-se, método da cruz normal

1- A Favor-A Morte XIII, invertida
2- Contra - O Diabo XV, invertido
3- Actual - O Amoroso VI, invertido
4- Fim - A Imperatriz III
5- Conselho-A Força XI, invertida

1- A favor está a vontade e a necessidade de terminar com o ciclo
2- Contra, estão os erros e a maldade (de quem?)
3- A situação actual está mais que certa-indecisão
4- O fim é positivo-criatividade, feminilidade
5- O conselho diz para lutar violentamente com todas as forças

Um resultado positivo num quadro desconexo
A soma dos arcanos soma 48= 4+8= 12
12= O Dependurado= Sacrifício


“Não é por a minha boca estar em sangue que eu não posso beijar. A minha boca está em sangue devido aos mesmos beijos”.


“Ainda tenho bastante que aprender, senhor, e disse à minha alma: voa até aos meus ouvidos e escuta, voa até aos meus olhos e não percas nada do que vires”.

Bernard-marie Koltés, Combate de Negro e de Cães

“Ao criarem necessidades os media também criam o mecanismo de manipulação cognitiva que faz com que exista uma definição de fronteiras invisíveis em que o espaço dos grupos dominantes está sempre bem salvaguardado do ataque dos dominados-a isto se chama violência simbólica”.
Ricardo Mendonça Marques, Os Media e a Sociedade de Exclusão


O DIÁLOGO QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DOS AMANTES DE PESSOAS QUE NA REALIDADE NÃO SE GOSTAM MAS LÁ SE VÃO ATURANDO, e foi gravado em segredo quando o outro estava era por aí a fumar charros com a cambada de desocupados a que vulgarmente se chama de amigos

- A Nicole Kidman sempre foi o meu modelo de actriz...
- Sim, tem umas belas de umas pernas...
- O quê!? Alugo um filme engraçado para vermos e o único comentário que tens é sobre as pernas da actriz?
- Estou demasiado saturado para ligar a estas histórias, tira um bocado, quero ver se o Benfica ganhou...
- Está bem está, olha a tua sorte... Pareces um daqueles labregos que só ligam a futebol e a cerveja, que incham como porcos a ver uma dúzia de camelos a correrem num campo verde... quando eu te conheci tu não parecias assim...
- Quando tu me conheceste eu estava bêbedo.
- Ai isso é assim? Vai mas é à merda, ao menos o H sabe o que quer, estuda, trabalha, e ainda é ele que faz quase tudo lá no teatro...
- Pois, por isso é que ele é o teu namorado e eu não.
- Não passas é de um grande frustrado, isso sim!
- O quê?! Olha mas é para ti! O que é que tu sabes de mim, o que é que tu sabes da minha vida? Andamo-nos a encontrar assim, sabe-se lá porquê, há umas cinco semanas, pões os cornos ao gajo, metes-me na gaveta... o que é que tu sabes? O que é que eu sou para ti? O que é que nós somos um ao outro?
- Cala-te com as tuas teorias de intelectual, só tens é garganta...
- Garganta tens tu... francamente, vocês são todas iguais, vens lá da parvónia para estudar aqui e também dizes que queres ser actriz, pois quando te fui ver lá na peça, nem era para te dizer mas... não trabalhes não, minha filha, não trabalhes não. Ah ! Ah! Ah!
AS CENAS QUE SE SEGUEM FORAM CENSURADAS DEVIDO AO DIA DOS NAMORADOS, e as lojas precisarem de vender muitos corações-zinhos e flores-zinhas e muitos biscoitinhos para todos os Bóbis e todas as Tarecas desta terra sem recessão.
- Foda-se!!! Essa merda custou $!! Mas que raio...
- Mas quem és tu ó palhaço! Quando te conheci, maldito dia, não eras nada assim. Poemas, queres ser escritor, tudo uma treta, vejo-te todos os dias no café e não fazes mais nada, a porcaria de um livro à frente, armado em pseudo-intelectual...
- É, passas por mim todos os dias mas nem me dizes nada, mandas-me um olá qualquer, nem sequer te sentas comigo.
- Tu e as tuas tretas, vocês são todos a mesma merda.
- Ouve, esta discussão não leva a lado nenhum e eu quero-me ir embora. Queres que te dê boleia?
- Antes disto, quando estávamos na cama, eu fiz-te uma pergunta.
- O quê? Não me lembro...
- Pois não! Perguntei se tu me amavas e tu não deste resposta, não disseste nada.
- O quê!? Ah! Ah! Pode ser que te ame, acho que é provável... mas não deves estar à espera que eu entre em grandes discussões teóricas quando estou a mandar uma...
- !!!! Repete lá essa!!!

“Todos os ciclos que iniciamos acabam sempre por originar a encenação do seu próprio fim”.
Ricardo Mendonça Marques, Os Media e a Sociedade da Exclusão


O DIÁLOGO QUE NOS SEGUE E PERSEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DOS PARANÓICOS, e foi gravado em segredo quando tu confiavas em mim embora eu não fosse da tua raça, do teu grupo social, e fosse inimigo dos teus amigos além de não ser amigo teu

- Fala-me de sexta.
- Que posso eu falar. Deixei-a no hospital, teve de ficar para uma transfusão. Aproveitei para ir marcar uma nova consulta na minha médica.
- E então?
- Lá fui eu. Estavam duas miúdas freaks a terem consulta, reconheci-lhes uma certa cumplicidade nos rostos, depois zarpei até ao Tropical.
- Onde te sentaste na mesa do puto...
- Exacto. Realmente gosto de falar com ele e ele gosta de falar comigo. Preferiu estar a ouvir as minhas velhas histórias do punk e do States a ir ter com o grupo de amigos dele. O chato foi que me esqueci de telefonar para o hospital e depois tive de sair a correr, ia sendo atropelado numa passadeira.
- E à noite? Saíste com o R?
- Sim, o R até tenho voltado a curtir. Eu próprio tenho-me tentado divertir. Estivemos na Praça, falei com o Amarelo, fomos ao Moelas e inevitavelmente ao Buraco Negro.
- E então? Estava porreiro?
- Tentei dar outro rumo às coisas. Isto é, tentei dançar e dancei, tentei respirar as coisas de outra maneira. Assumir a pessoa que sou e não cair, não obstante a quantidade de cães esfomeados, não obstante outro tipo de cenas como as do cabrão do TG.
- E mais? Que mais de relevante aconteceu?
- Sábado mais ou menos, estive a falar com o violinista no Foyer. É estranho como as pessoas se sentem tentadas a fazer confidências comigo. Surgiu a AB, na sequência houve aquele atrofio esquisito com ela no cinema. Penso seriamente que é maníaco-depressiva. A certa altura saiu a correr e a chorar...
- E tu? Foste atrás dela?
- Sim, estava ela a chorar lá fora. Abracei-a, não sei, mesmo assim senti algo bizarro quando o fiz, a conversa dela era completamente non sense. Tudo envolto em algo mau, a tolerância dos outros para com ela é cada vez menor. Depois o G preparou-se para partir para a Alemanha.
- E vieram as imagens da noite. Como temos pouco tempo vamos ao que interessa. A linda miúda V estava no Foyer?
- Ya, tens de ir lá mais vezes... saí com o R e estivemos a falar sobre o Lautréamont no Piano Negro, fomos ao Buraco Negro, surgiu o P, uma pálida imagem daquilo que foi, de resto, conversa com os óbvios. O olhar fixo da namorada do VR, usei o meu olhar de uma forma tão intensa contra ela, não sei... Não sei que tipo de jogos procuro eu. Adiante.
- E Ela? Tu sabes... ELA.
- Eu falava animadamente com Ela. Disse que está a ter um caso com alguém.
- E tu? Isso abalou-te?
- Um bocado. É mais que óbvio e assim será inevitavelmente. Desencadeou um processo que será sempre igual. No fundo começou a promiscuir-se. A minha atitude foi sóbria e normal. Já não teria o porquê de não o ser. Falei-lhe que estava a sair com uma pessoa, mas que as coisas não estavam a correr lá muito bem.
- Ela disse que sabia quem era? Descreveu a J?
- O que foi estranho. A explicação dela não me pareceu convincente. Sinto que a minha vida é controlada.
- Como os olhos que embalam os olhos que embalam a noite?
- Nem mais.

terça-feira, fevereiro 10, 2004

NIMROD

Os talibans destruíram os budas
Outros derrubaram as torres
Todos os deuses caem

A CONVERSA QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DOS SENHORES QUE NÃO SE SEGUEM, e foi gravada em segredo numa casa de alterne

- Por que é que vieste cá parar?
- Vim cá parar com o mesmo embrutecimento gradual, perda de sensibilidade...
- O que é que entendes por perda de sensibilidade?
- Não sei, antes ainda havia tristeza ou ódio, hoje só sinto embrutecimento.
- Algo de mau?
- Algo como ser mau. Ou pensar que posso caminhar para lá.
- O que é que é mais saudável?
- Tudo menos este desligamento obtuso. Sinto-me como num flipper.
- Quais são as soluções reais?
- Não existe realidade para existirem soluções reais.


“É “inimigo” que deveis dizer, mas não “facínora”; é “doente” que deveis dizer, mas não “patife”; é demente que deveis dizer, mas não “pecador”.
E tu, juiz vermelho, se quisesses dizer em voz alta tudo aquilo que já fizeste em pensamento, pois toda a gente gritaria: “Fora com esta imundície, este verme peçonhento!”.
Mas uma coisa é o pensamento, outra é o acto, outra ainda, a imagem do acto. A roda da razão não roda por entre elas.
Foi uma imagem que fez empalidecer esse homem pálido. Ele estava à altura do seu acto, quando o cometeu; mas, uma vez este perpetrado, ele não suportou a respectiva imagem.
Então, passou a ver-se sempre como o autor de um só acto. A isso eu chamo demência: a excepção transformou-se para ele em essência.
O traço de giz hipnotiza a galinha; o golpe, que ele executou, cativou a sua pobre razão; a isso chamo eu alienação mental após o acto.”“.

Assim falava Zaratustra, Friedrich Nietzsche


O DIÁLOGO QUE SE SEGUE É DA NOSSA i RESPONSABILIDADE, e foi gravado sem tu saberes no Jardim da Sereia e da Celeste

- O que mais relevante aconteceu ontem?
- Nada propriamente que me lembre de cabeça. Fui à tarde ao Santa Cruz. Um tipo estranho e bêbedo insurgiu-se no meu caminho para eu lhe apertar a mão, mas eu evitei-o.
- E à noite?
- Tive uma reunião com o pessoal das aulas. Confesso que aquilo atrofiou-me um bocado. A superstar D saiu mais cedo, uma parte da minha matéria passou para o J, mas ainda bem. A F estava incrivelmente sexy. Fantasiei abrir-lhe a camisa e meter a boca nos seus seios.
- És sempre o mesmo! E mais?
- Olha, acabei por sair com o P que me telefonou. Ainda encontrámos o M no Tropical mas ele estava preso às cenas dos anos e ia ver a fórmula 1. Fomos à porcaria de um pseudo-bar de jazz, um sítio nojento de betos, fomos ao Piano Negro, encontrei lá pessoal como o R e o F, depois fomos ao Buraco Negro.
- E então? Aquela cena da S é sempre dúbia, não é? Também veio a D, não é, a perguntar sobre o hoje...
- Exacto. Sinto-me estranho... não é que tudo seja igual. Muito pouco a declarar. O metálico curtiu o CD, estavam por lá o D mais a namorada, o F da Figueira mais a namorada...
- E depois saíste e tiveste aquela sensação...
- Sim, quando estava a falar com o P e pairámos cá fora para ouvirmos a música dos Sisters of Mercy... para eu lhe dizer que a cantora Ofra Haza morreu. Quando me virei vi a C a entrar.
- Chocou-te?
- Terrível, terrível. Até mais porque à tarde tive aquele déjà vue ao passar sistematicamente pelo Trianon e ela estar lá sentada sozinha. Ainda pensei lá ir mas resolvi não me tornar ainda mais estranho. Estive muito tempo a falar com o P sobre as realidades paralelas que são perfeitamente possíveis de se viver.
- E hoje o dia desabou?
- Foi o pior dia do ano em tempo. Não me lembro de um aguaceiro tão grande. No entanto, até agora pelo menos, acho que foi o melhor dia do ano. Encontrei-me com a D em frente ao Tropical em pleno aguaceiro. Passámos ainda pelo TAGV. Surgiu o Louco que também a conhece. Fomos até ao Avenida, até ao meu mítico café Zami.
- E então? Sei que houve uns momentos mais fracos, mas tu conseguiste com que as coisas funcionassem...
- Até um certo ponto. Falámos sempre sobre coisas demasiado íntimas.
- Ela é linda, elegante, sexy...
- Mas demasiado volátil. Menti-lhe quando disse que sabia o que esperar ou contar das pessoas. No caso dela não consigo ver isso, como se houvesse um véu de cimento.
- E leste-lhe alguns poemas?
- Exacto. Terrivelmente único o momento, terrivelmente lindo. Senti que o “Peito contra o peito nu contra o espelho” a afectou terrivelmente.
- E depois, subiram até à Praça para tirarem os carros...
- Sim, e as despedidas são sempre a pior das coisas. Beijámo-nos por baixo de um céu que secava, mas tudo à nossa volta estava feito em água, lagos e lagos, lagos e rios, lágrimas...
- Não delires, diz-me uma coisa... gostavas de a ter no pleno sentido, tu sabes...
- Adorava, seria como a dádiva de um deus em que não acredito, mas generoso. Como um privilégio. Gostava de amar essa mulher, mas não no sentido em que o costumo idealizar. De uma forma completamente nova mas intensa. Amá-la intensamente. Parte de mim foi com ela.
- Levou os teus poemas, não foi?
- Ah! Ah! Armado em esperto!? Tu entendes e nós entendemo-nos.

“Duas motas de alta cilindrada paradas junto a um poste duas motas de alta cilindrada paradas junto a um poste dois pássaros sobre o céu dos suicidas dois pássaros sobre o céu dos suicidas uma só voz de um único homem rasgando os espaços tempos planos do jardim dos condenados a viver em vidas felizes também assim o condenado à morte de Poe se salvou da sua inadiável sentença pelas mãos dos outros as guilhotinas ditam as verdades mas por algo que não sabia o que era K o acusado de Kafka caiu como um cão às mãos de cetim dos seus algozes mas ninguém apagará o que na mão está escrito ninguém me salvará da maldição da cigana”.

R M M

O DIÁLOGO QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DOS AUSENTES, e foi gravado em segredo na paragem do autocarro para o holocausto

- Voltamos às perguntas?
- Inevitavelmente. Talvez seja uma consequência da solidão ou a necessidade de fazer de terapeuta contra a minha sociofobia.
- Ontem lá foste a casa do velho R. Noite pseudoanimada a ver a queda socialista e a queda do governo. E hoje?
- Uma certa depressão e um certo mal estar. Levei a T à estação, não fui ter com os pais ao Gira. Não consigo lidar bem com o meu pai, sinto-me distante e sempre com um certo medo dele.
- Nada que já não se saiba. A depressão atingiu-te quando te cruzaste com o E, depois a solidão que sentiste no Luna, a boa da loira em flirt contigo e tu longe, e tu longe... sempre a mesma merda! Depois a outra tipa do Foyer passou por ti e teve medo de te encarar. E que mais?
- O vazio à volta no Foyer, a velha N. A volta pelo Avenida, comprei o livro do Umberto Eco para oferecer à mãe e “A vida sexual de Catherine Millet”, escrito pela própria, para mim. Preciso de estímulos. Saquei a morada da F através da Q, mais um sítio para enviar uma carta armadilhada.
- Sei que pensaste, mais uma vez, em suicídio... achas que ainda o farás?
- Não sei. Ah! Ah! Ah! Se o fizer não viverei para contar como foi!
- E hoje?
- Zero. Não fui às finanças. Acordei tarde e porcamente. Parei no Tropical, troca de palavras com a A, vi o G no Foyer. Vi o velho R com a tipa que lhe mete os cornos.
- Não consegues disfarçar esse rancor?
- Nunca, seria hipócrita dizer que estou interessado na felicidade dele. Talvez o triunfo não fosse o tipo ser fodido, seria muito mais relevante uma qualquer vitória da minha parte... por mais difícil que isso me pareça.
- Esta tarde tiveste aquele pensamento: não tens uma vida normal mas também não tens uma vida anormal.
- A grande questão é mesmo essa, uma vida paranóica, e por outras vertentes, poderia colmatar as falhas desta, mas a verdade é que isso não acontece. Sinto-me num limbo em que ninguém comunica: mando CVs para empresas que não me respondem, mando livros para editoras que não me respondem. Quando saio, embora seja cedo, apanho sempre a noite. Transtorna-me profundamente. Aprendi a viver sem muitas coisas e, por mais bizarro que tal me pareça, creio que há qualquer coisa de negativo e de sobrenatural a pairar sobre mim.
- Percebo perfeitamente. Embora o lado místico esteja a ser apagado devido aos ecos da vida concreta e do trabalho, objectivos definidos, todas essas merdas... algo que, na pura realidade, não existe realmente. Ontem paraste a ver o presépio dos bombeiros. Creio que a última vez que lá estiveste foi na puta do Natal de 98. Não é assim?
- Penso que sim. Passeei pela Baixa, mas mesmo sendo Natal, não vi nenhuma animação ou as pessoas a atafulharem-se nas lojas. A recessão tem diversos condicionantes, atinge-me e atinge a todos, mas estou-me um pouco a cagar para o sentimento de que os outros lá terão os seus problemas. A eterna dúvida: se eu me quisesse matar não me afectariam as merdas da vida corrente, ou... eu talvez me queira matar devido às merdas da vida corrente.
- Achas mesmo?
- Não foi, nem de perto nem de longe, a vida que imaginei para mim. Não sou nada que possa definir com clareza, não sou um retornado nem chego a ser a África na diáspora, não chego a ser são nem chego a ser louco. Uma obsessão que não se concretiza não é nada, não me sinto próximo de nenhuma classe ou grupo etário, não sinto afinidades com este ou com aquele grupo, valores, ideias, interesses..., nem próximo desta ou daquela pessoa quando só existe um Eu sentado na mesa do café... A beleza física que se extingue não me trouxe nada, a sensibilidade muito menos, e também ela se extingue, a inteligência acima da média muito menos, não me levou a sítio algum... ainda sinto com uma intensidade latente o medo e um forte e terrível sentimento de culpa.
- Um autêntico discurso catastrófico?
- Nada que já não escreva ao longo destes anos. Tornei-me num animal amestrado e isolado. Até os sonhos de sangue e de ódio deixaram de ser predominantes. Embora não me seja indiferente, a minha vontade de ir é igual à minha vontade de ficar... embora, grande lástima, não passe muito por mim escolher esta ou aquela vertente.
- Porquê a necessidade de colocar os pensamentos em ordem quando já não existe ordem alguma?
- ... fiquei sem resposta. O amor ao que foi não substitui, ou pode alguma vez substituir, o amor às coisas que têm de ser conquistadas... Olha, uma criança com um gorro de Pai Natal está a pontapear um caixote de cartão...

“Muita luz é como muita sombra. Não nos deixa ver”.
Goethe

“Duas motas de alta cilindrada paradas junto a um poste duas motas de alta cilindrada paradas junto a um poste dois pássaros sobre o céu dos suicidas dois pássaros sobre o céu dos suicidas uma só voz de um único homem rasgando os espaços tempos planos do jardim dos condenados a viver em vidas felizes também assim o condenado à morte de Poe se salvou da sua inadiável sentença pelas mãos dos outros as guilhotinas ditam as verdades mas por algo que não sabia o que era K o acusado de Kafka caiu como um cão às mãos de cetim dos seus algozes mas ninguém apagará o que na mão está escrito ninguém me salvará da maldição da cigana”.

R M M

O DIÁLOGO QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DOS AUSENTES, e foi gravado em segredo na paragem do autocarro para o holocausto

- Voltamos às perguntas?
- Inevitavelmente. Talvez seja uma consequência da solidão ou a necessidade de fazer de terapeuta contra a minha sociofobia.
- Ontem lá foste a casa do velho R. Noite pseudoanimada a ver a queda socialista e a queda do governo. E hoje?
- Uma certa depressão e um certo mal estar. Levei a T à estação, não fui ter com os pais ao Gira. Não consigo lidar bem com o meu pai, sinto-me distante e sempre com um certo medo dele.
- Nada que já não se saiba. A depressão atingiu-te quando te cruzaste com o E, depois a solidão que sentiste no Luna, a boa da loira em flirt contigo e tu longe, e tu longe... sempre a mesma merda! Depois a outra tipa do Foyer passou por ti e teve medo de te encarar. E que mais?
- O vazio à volta no Foyer, a velha N. A volta pelo Avenida, comprei o livro do Umberto Eco para oferecer à mãe e “A vida sexual de Catherine Millet”, escrito pela própria, para mim. Preciso de estímulos. Saquei a morada da F através da Q, mais um sítio para enviar uma carta armadilhada.
- Sei que pensaste, mais uma vez, em suicídio... achas que ainda o farás?
- Não sei. Ah! Ah! Ah! Se o fizer não viverei para contar como foi!
- E hoje?
- Zero. Não fui às finanças. Acordei tarde e porcamente. Parei no Tropical, troca de palavras com a A, vi o G no Foyer. Vi o velho R com a tipa que lhe mete os cornos.
- Não consegues disfarçar esse rancor?
- Nunca, seria hipócrita dizer que estou interessado na felicidade dele. Talvez o triunfo não fosse o tipo ser fodido, seria muito mais relevante uma qualquer vitória da minha parte... por mais difícil que isso me pareça.
- Esta tarde tiveste aquele pensamento: não tens uma vida normal mas também não tens uma vida anormal.
- A grande questão é mesmo essa, uma vida paranóica, e por outras vertentes, poderia colmatar as falhas desta, mas a verdade é que isso não acontece. Sinto-me num limbo em que ninguém comunica: mando CVs para empresas que não me respondem, mando livros para editoras que não me respondem. Quando saio, embora seja cedo, apanho sempre a noite. Transtorna-me profundamente. Aprendi a viver sem muitas coisas e, por mais bizarro que tal me pareça, creio que há qualquer coisa de negativo e de sobrenatural a pairar sobre mim.
- Percebo perfeitamente. Embora o lado místico esteja a ser apagado devido aos ecos da vida concreta e do trabalho, objectivos definidos, todas essas merdas... algo que, na pura realidade, não existe realmente. Ontem paraste a ver o presépio dos bombeiros. Creio que a última vez que lá estiveste foi na puta do Natal de 98. Não é assim?
- Penso que sim. Passeei pela Baixa, mas mesmo sendo Natal, não vi nenhuma animação ou as pessoas a atafulharem-se nas lojas. A recessão tem diversos condicionantes, atinge-me e atinge a todos, mas estou-me um pouco a cagar para o sentimento de que os outros lá terão os seus problemas. A eterna dúvida: se eu me quisesse matar não me afectariam as merdas da vida corrente, ou... eu talvez me queira matar devido às merdas da vida corrente.
- Achas mesmo?
- Não foi, nem de perto nem de longe, a vida que imaginei para mim. Não sou nada que possa definir com clareza, não sou um retornado nem chego a ser a África na diáspora, não chego a ser são nem chego a ser louco. Uma obsessão que não se concretiza não é nada, não me sinto próximo de nenhuma classe ou grupo etário, não sinto afinidades com este ou com aquele grupo, valores, ideias, interesses..., nem próximo desta ou daquela pessoa quando só existe um Eu sentado na mesa do café... A beleza física que se extingue não me trouxe nada, a sensibilidade muito menos, e também ela se extingue, a inteligência acima da média muito menos, não me levou a sítio algum... ainda sinto com uma intensidade latente o medo e um forte e terrível sentimento de culpa.
- Um autêntico discurso catastrófico?
- Nada que já não escreva ao longo destes anos. Tornei-me num animal amestrado e isolado. Até os sonhos de sangue e de ódio deixaram de ser predominantes. Embora não me seja indiferente, a minha vontade de ir é igual à minha vontade de ficar... embora, grande lástima, não passe muito por mim escolher esta ou aquela vertente.
- Porquê a necessidade de colocar os pensamentos em ordem quando já não existe ordem alguma?
- ... fiquei sem resposta. O amor ao que foi não substitui, ou pode alguma vez substituir, o amor às coisas que têm de ser conquistadas... Olha, uma criança com um gorro de Pai Natal está a pontapear um caixote de cartão...

“Muita luz é como muita sombra. Não nos deixa ver”.
Goethe

domingo, fevereiro 08, 2004

O DIÁLOGO QUE SE SEGUE É DA AUTORIA DOS POBRES DE ESPÍRITO, e foi gravado em segredo num convento jesuíta.

- O que é que fizeste ontem?
- Sabes bem que fui a Aveiro com o básico amigo de sempre, o F. A única pessoa que se manteve ao longo destes anos todos. Talvez por também ser um solitário e um anti-social.
- E o que é que fizeram?
- A verdade é que, como é hábito, encontrámo-nos ao acaso na Praça. Não tinha vontade de ficar em casa com a C e o L.
- Porquê?
- Para não me chatearem com a cena de ir para Lisboa e etc. e tal. Além do mais o ambiente não era dos melhores devido à cena da queixa policial.
- Essa é boa!! Ah! Ah! Ah!
- Eu sei que tem uma certa piada, mas para a cabeça da família e de toda a conjuntura, sabes, acaba por ser meio fodido.
- Mas sobre a cena de Aveiro...
- Pois, estivemos na porcaria do café Tropical. Topei os olhos das pessoas...
- Eu sei o que queres dizer, toda a gente, pelo teu aspecto, incluindo esses brasileiros, pensa que dás no cavalo. Chateia-te?
- A verdade é que não me chateia assim tanto. Apesar das cenas do pessoal toino ou do Lapão. Desde que não me prejudique muito... deixai-os pensar! Eu gosto de provocar os fantasmas básicos das pessoas daqui.
- Mas sobre a cena com o F...
- Pois, fomos para Aveiro. Jantámos no mesmo sítio. Depois fomos ao bar, o Chuta Cavalo, depois a casa dele, numa de ressacar, depois fomos a outro bar, penso eu de que. Nisto começou a chover como se o céu nos vomitasse em cima.
- E então que mais?
- Viemos para Coimbra. Fomos ao Piano Negro como o havíamos, já antes, planeado. Quase que podíamos ter ido ao Buraco Negro mas já não havia $ disponível. Já era meio tarde e as coisas talvez já se tivessem estendido até ao seu máximo.
- Rejeitaste o velho vício?
- Sim, eu próprio tenho-me sentido desesperado e com medo.
- Já lá vamos. O resto do dia já se sabe. Não foste com a família ao cemitério, talvez aliado a esse mesmo medo. Viste a R a passar com um gajo qualquer, um namorado seboso...
- Atentemos ao grande preconceito inerente a essa descrição. O nosso grande ódio e desprezo pelo que não se consegue ter devido às múltiplas incapacidades que se conhecem.
- Chateia-te a cena?
- Não digo que não me tenha chateado um pouco. Não sei se era o tanso do DJ D, um dos grandes palhaços do lounge e da pseudo-sociedade dos armados em intelectuais da boémia. No fundo um pessoal que gosta é de estar com um chupa-chupa na boca. Eles que chupem!!!
- Tirando o desprezo, o que mais sentiste?
- Ela foi uma cena que se dissolveu. Houve um tempo em que pensei que poderia surgir qualquer coisa, o quê não sei. Mas havia algo...
- E por que é o Algo deixou de haver?
- Ela foi desaparecendo da minha vista, até mesmo da merda deste sítio em que nada acontece. Eu também deixei de ir ao Lounge e ao States. Não tinha como acompanhar esse circuito e nem sei se o queria!
- E a cena dela passar por ti e não te cumprimentar?
- É estranho, ela evitava mas fazia-se aos meus olhos como se estivesse à espera que eu a chamasse. Metia uma máscara de isolamento nela própria... mas falso, sim... porque eu sei o que é o isolamento e isso sempre está patente na forma como as pessoas me vêem. Podem-me falar de muita coisa... mas não me venham falar de solidão a mim.
- Achas que ela é uma grande vaca?
- Talvez uma pequena vaca. Não era nem podia ser a musa que eu queria, mal grado o poema e a carta para ela. O meu estigma é de tal modo grande que destrói tudo o que estiver à volta.
- Mas também ela surgiu muito devido à conversa do R.
- O R é = a ele próprio, ela para ele seria equivalente. Ele lambuzar-se-ia com as conversas com ela, mas duvido que lhe saltasse à cueca, não obstante as conquistas que começou a alcançar ultimamente.
- Já que morreu, que morra de vez...
- Talvez sim ou não, não sei. A distância é de tal modo grande que já não vejo as coisas. Sei o que as pessoas falam de mim...
- Algo como que etéreo...
- Um corpo sem vida “com os olhos completamente mortos”.
- O teu pai a chatear-te...
- Qualquer coisa que ele me diga é quase como que um ataque. Custa-me muito senti-lo de outra maneira.
- Desististe de pensar na de cabelo preto?
- Mesmo que eu não queira eu penso. Tento é não ter um compromisso tão grande por essa imagem antes que eu me destrua ainda mais. Mais uma vez...
- Como com a R?
- Como com todas. Desde a ex até à homónima dela, a grande desilusão da história toda, de toda esta história, que se foda...
- Quais as soluções?
- “Solução final”, morte de qualquer maneira não vivo há muito tempo. Viajo e vejo os rostos todos com quem não falo, mas com quem já comuniquei mais de mil vezes de mais de mil e uma formas.
- Empresta-me dinheiro?
- Eu passo-te um cheque se disseres que me amas.


sábado, fevereiro 07, 2004

Ontem, entre copo e copo e copo e copo e copo e copo, pensei seriamente em cortar de vez com a origem dos meus medos; como se pudesse anular as causas e as causalidades expondo os problemas redondamente no tapete da desilusão e da falta de esperança em relação aos becos sem saída. O dilema é aquilo que a própria palavra significa: qualquer das soluções é igualmente má. O não fazer nada é o que se vive. Resta sempre a outra hipótese.
“Nada no mundo vale que nos afastemos daquilo que amamos”. Camus- Sim, mas...
“E, no entanto, também eu me afasto, sem que saiba dizer porquê”. Camus, sequência da mesma frase. Mas... Mas...
Compreendo, a sério que compreendo.
Como dizia Freud: “Só não há remédio para os apaixonados”.
Muitos e muitos anos atrás, numa noite muito e muito atrás, matei um homem. Nunca ninguém soube. Eu era muito jovem. Não havia outra hipótese. Ou será que havia?! Cheguei a casa com o corpo coberto de sangue e, quando abri a porta de casa, o meu cão começou a uivar como se fosse um lobo. Entrou em delírio. A sério que o compreendo. Mas era ele ou ele e, como já o disse, eu era muito novo.
Da mesma maneira que a democracia é o novo cristianismo... não se esqueçam-tornemo-nos todos cordeiros!! Seremos sempre mais fáceis de guiar, guizos ao pescoço, lã espessa, cornos insinuantes, é sempre bom estar na moda, meus amigos.
O que é mais violento? O lobo convencido que é uma ovelha ou o gato a pensar que é um tigre?
Não sei, Nós seremos sempre a minoria em relação aos Outros.
Supermercados cheios, bolsos e barrigas vazias.
Há muitas e muitas formas mas todos os Holocaustos encenam os mesmos Faustos.

O DIÁLOGO QUE SE SEGUE É DA AUTORIA DOS AUSENTES, e foi gravado em segredo numa boutique de pão (que é mais “bem” do que padaria)

- Por que é que estás chateado?
- Sei lá!!! Porque a puta da vida chateia-me, não tem continuidade. Vivo no abstracto das coisas.
- O que é o abstracto?
- É qualquer coisa que não é concreta, não tem realidade palpável. É o pensamento que me persegue, que me escreve, que me mutila...
- Dizes que é o pensamento...
- Exacto, a inércia dos dias, dos acontecimentos, das pessoas ou da falta delas!
- Por que é que não fazes qualquer coisa para passar o tempo?
- Olha, hoje bati duas punhetas, talvez ainda bata outra, a ver filmes porno. Fiquei com a piça dorida...
- Não é isso, caralho!! Por que é que não te ocupas com algo?
- Eu tento ler, às vezes leio... ler é uma continuidade. Escrever nem sempre consigo, quase nunca consigo. Faz-me tédio, percebes? Mais do que tédio... é antes uma grande preguiça... um grande medo...
- Por que é que não estudas?
- Realmente... sim, devia fazer o Seminário, não sei é como. As outras cadeiras... na sua altura... se conseguir. Tenho que conseguir!
- Isso é confuso... Sei que não vais às aulas... Como é que passas o tempo?
- De vez em quando acordo mais cedo. Saio para tomar café. Continuar a fumar como um cavalo. Gastar $ em máquinas. À tarde... tomar café, geralmente no do Teatro, tentar encontrar um ambiente agradável para qualquer coisa de ler ou de escrever, conforme. Geralmente estava por lá o P, agora foi-se embora, o R vem às vezes... começo a ter-lhe uma certa hostilidade, talvez seja mútuo... não sei. Ele valeu-se da imagem da T para se insinuar nos sítios, em parte arrastou-a para a merda da noite onde conheceu e conhece toda aquela escumalha.
- Porquê escumalha?
- Porque toda a gente é escumalha!!! Até eu sou escumalha!! Gostava de matar toda a gente! E... agora que penso... não é bem matar, é antes esventrar, arrancar-lhes os olhos, esfaquear, sei lá...
- Por que é que não te acalmas?
- Porque a calma é o vazio, a inércia, o não querer saber...
- Não consegues ver meio termo?
- Homens malditos vão de um extremo ao outro e eu cada vez me sinto mais maldito.
- Como à imagem de todos aqueles escritores malditos?
- Talvez... não esses, talvez outros que, presos à sua consciência implacável, como o Lautréamont dizia, não conseguiram sair do vazio, do nada. Perderam-se no pó das coisas. Talvez seja o que me reserva.
- Mas... e o que mais fazes durante o dia?
- Como diria o Poeta: “O mesmo que durante o resto do tempo”.
- O quê?
- “Nada”.

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Hoje é o dia em que eu retrocedo e sinto que os meus medos oscilam. Este é um blog sobre a dor. Seja lá o que isso for, seja lá qual for o meu papel no meio dela.
O mesmo homem acorda todos os dias depois das mesmas noites acorda para os mesmos dias todas as noites. Todas as noites não dorme todas as noites aponta o revólver à cabeça. Todas as noites aponta o revólver à cabeça e não dispara. Mas a verdade é que a bala já lá está. Na cabeça.

Eles trazem então as carpideiras que se arranham com as suas unhas compridas e choram.

Deixo-vos com um poema.

“Ainda é cedo está calor não nos deitamos não saímos porque lá fora passeiam os fantasmas da nossa morte uma cobardia demasiado certa quando se descobre a verdade das coisas tudo se torna ridículo paramos especados junto à televisão os americanos e as suas bombas deixam mais espaço para novas bombas carregadas de doces chocolates rebuçados para os cadáveres das crianças se deliciarem o Rato Mickey era um herói de uma outra infância a juventude são só alguns anos não vale muito a pena fazermos planos para o futuro escuta o amanhã quando passar por ti não vale a pena estas poucas de palavras estes versos não querem dizer nada por que é que eu insisto quando é mais que certo que escrevo para uma corja de intelectuais ou de imbecis chapados tal como tu que lês tal como eu que escrevo não percebemos nada passeiam ao longo das páginas outros tigres de papel chacais atirando-se às carcaças dos paradigmas que caíram o marxismo o estrutural funcionalismo entre outros a situacionista e bem ao longe um som qualquer de uma criança que chora como um violino mal tocado pelo cego que passeia nas carruagens do metro ninguém repara já ninguém liga tilintam as moedas os novos Euros de uma Europa aos remendos e às costuras por todos os lados os seus cães de guarda vigiam as fronteiras mas deixam passar os vícios que a alimenta como um velho drogado proxeneta de fato e gravata juntando os trocos a soldo e a troco das putas nos andaimes e nas esquinas dos escritórios onde os enfatuados engordam para a manutenção dos ginásios para o parlamento segue o táxi rápido talvez para o próximo executivo discutiremos se vale a pena ou não condenarmos esta geração a nunca sair da sua letargia estúpida de não prestar para nada de diferente a democracia venceu por falta de pachorra dos adversários para se transformar em novos cães para um osso pago os meus impostos contribuo para o bem da nação”.

R M M


quinta-feira, fevereiro 05, 2004

ERA BELO QUANDO SE SENTAVA SÓ

Era belo quando se sentava só, era como eu, tinha as abas largas, segurava a caneca com os dedos crispados, mas mesmo assim os seus dedos eram longos e belos, não gostava de estar sempre sentado, embora desta vez, posso jurá-lo, lhe fosse indiferente.

Dir-lhes-ei por que gosto de me sentar só, por que sou um sádico, por que só os sádicos gostam de se sentar sós.

Estava sentado só, porque estava sumptuosamente vestido para aquela ocasião e porque não era um civil.

Acreditam que somos sádicos e que não têm que se preocupar connosco , e nós não temos opinião formada acerca de se têm ou não de se preocupar connosco, nem nos agrada pensar nisso porque o assunto nos confunde.

É possível que ele já não signifique nada para mim, mas continuo a acreditar que era como eu.

Não estavas à espera de te apaixonares, perguntei-me a mim mesmo, e ao mesmo tempo respondi com ternura: Acreditas que sim?

Ouvi-te cantarolando maravilhosamente a tua canção, dizia que eu não te posso ignorar, que por fim eu tinha aparecido por uma série de deliciosas razões, que apenas tu conhecias, e aqui estou eu Miss Blood.

E tu não voltarás, não voltarás aqui onde me deixaste, e é por isso que guardas o meu número de telefone, mas não o marques por engano quando estiveres a brincar com o telefone.

Começaste a fastidiar-nos com a tua dor e decidimos mudá-la.

Disseste que eras mais feliz quando dançavas, disseste que eras mais feliz quando dançavas comigo, a quem te referias?

Então mudamos a sua dor, brindamo-la com a ideia de um corpo e contamos-lhe uma piada, e ele então pôs-se a meditar profundamente sobre o riso e sobre a chave do mistério.

E ele pensava que ela acreditava que ele pensava que ela acreditava que a pior coisa que uma mulher pode fazer é afastar um homem do seu trabalho, porque isso em que é que o converte, em algo belo ou feio?

Agora penetraste na secção matemática da tua alma, que aclamavas não ter possuído nunca. Suponho que isso mais o destroçado coração te convencerá que tens perfeito direito de ires domesticar os sádicos.

Ele sabia o último verso de cada estrofe da canção, mas ignorava os outros versos, o último verso era sempre o mesmo: Não te digas a ti mesmo um segredo a não ser que estejas disposto a guardá-lo.

Ele pensou que sabia ou que actualmente sabia mais de canto para se tornar um cantor; e se com efeito existe tal ofício, haverá alguém que o exerça e será dele que nascem os sádicos?

Não é um ponto de interrogação, nem de exclamação, é o ponto final de um homem que escreveu “Os parasitas do céu”.

Mesmo que expuséssemos o nosso caso com toda a claridade e todos os que pensam como nós, todos eles se pusessem a nosso lado, mesmo assim seríamos ainda muito poucos.

Leonard Cohen

SILÊNCIO

Silêncio

Um silêncio mais fundo

Quando os grilos hesitam

Leonard Cohen

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