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segunda-feira, fevereiro 23, 2004

Tenho reparado que certas coisas que ando a colocar neste blog se andam a repetir como se fossem uma espécie de eco.

Assim também como eu, assim como Narciso, a gargalhada sonora que estala como a partir os inúmeros pratos e talheres da vida, partindo a louça toda, esperando esse mesmo eco que persegue essa mesma voz ausente de pássaro sangrento de cordas vocais estoiradas, assim como eu, ausente, de mim e de mim próprio, de todos, de todas as coisas, assim como Narciso e o lago espelho peixes cisnes, assim como Édipo pés cosidos mãe mulher tirano do seu mundo, assim como Prometeu montanha rocha coração segurando o fogo dos homens sob a sombra das águias que lhe dilaceram o ventre, assim como Sísifo pedra homem homem pedra, assim como eu, assim como Cristo caminhando sobre as águas, assim como Narciso, ausente de todas as coisas que não se reflectem nele próprio, assim como eu, assassino de mim mesmo.


Lembro-me muitas vezes da maneira como a colonização espanhola era feita na América Latina... os Conquistadores eram os guerreiros que dilaceravam aqueles que amavam o sol e os seus deuses, os Conquistadores eram os detentores de uma ordem social que se baseava na destruição de tudo aquilo que existia, até então, como a realidade palpável das ditas coisas terrenas.
O Império impunha-se única e exclusivamente pela força das armas bestas humanas e, realmente, não deixava pedra sobre pedra de pé. Aí, quando tudo se reduzia apenas a destroços, aí sim, sobre aquilo que outrora tinham sido cidades, eles edificavam uma nova cidade baseando-se no modelo que conheciam e que determinavam como sendo o único.
E no centro de todas as cidades espanholas, mesmo as transplantadas para um continente diferente, a grande característica por elas evidenciada era terem, nesse mesmo centro, uma Praça de Armas. Como sinónimo de que toda a nova ordem só pode ser edificada por cima dos escombros que destruiu. Com isso eles pensavam que mudariam de paradigma.
Falharam. É preciso muito mais do que isso. Ou talvez menos.



POSTULADOS E MODUS OPERANDI (ou a luta pela sobrevivência de algo que nem sequer se sabe se ainda respira)


Hoje em dia vendeu-se muito a ideia do diálogo e da assertividade, mas isso não pode ser aplicado como o único modelo válido. Há muitas situações em que o conflito aberto é a única hipótese, não se pode dialogar com caveiras a não ser que sejamos uma personagem de Shakespeare.

Dentro de cada um de nós o que é que existe a não ser ossos?



Numa camioneta, não importando para que sítio ela vá, a maior parte das pessoas que se sentam atrás
(digamos que uns 78% se a viagem for de noite) ou são membros de minorias étnicas (partindo do pressuposto errado que a maioria é uma etnia determinada), ou são imigrantes, ou são pobres ou são marginais. Tal facto é inflaccionado se o destino da camioneta for para Lisboa. Repare-se na forma como as categorias aparecem expostas: minoria étnica, imigrante, pobre, marginal. Para quem observa é fácil estabelecer, mesmo que inconscientemente, uma relação associativa entre as quatro. Trata-se de um erro de base, mas que opera como um mecanismo de segregação colectiva, transfigurando-se numa realidade plena aos olhos do mais comum dos mortais. O único factor é quase sempre económico e social, cultural ao de leve, não sei. A pobreza é sempre chutada para as pontas, veja-se o exemplo dos bairros periféricos e dos bairros sociais. É segregada. Nesse sentido segrega-se a si própria. Não faz parte do jogo. Os outros não se aproximam tanto da ponta da camioneta (a não ser que sejam casais que queiram ir no marmelanço) porque sentem um medo inconsciente.
Porque apenas vêem: minoria + imigrante + pobre + marginal= Todos os membros de minorias étnicas são imigrantes, todos os imigrantes são pobres, todos os pobres são marginais.

Grande parte das tipologias da exclusão partem de visões deste género.


Por isso é que, caros amigos, assistimos a muitas pérolas de sabedoria tais como:

- Todos os pretos roubam!
- Todas as brasileiras são putas!
- Todas os romenos são ciganos!
- Todos os ciganos são maus!
- Todos os pobres, de certeza, roubam!


Estabeleçamos um diálogo explicativo entre o Joaquim, advogado, e o Manuel, empregado de escritório.

- Todos os pretos roubam!
- Porquê?
- Porque são pretos!
- Por que é que roubam?
- Porque são pretos!
- Talvez, mas sabes que mais, começo a pensar que todas as brasileiras são putas.
- Porquê?
- Porque são brasileiras.
- Pois, eu pensava que também havia putas portuguesas.
- Não, todas essas portuguesas que são putas são brasileiras!
- É verdade! Mas por que é que são brasileiras?
- Porque são putas!
- Sim, mas olha que todos os romenos são ciganos.
- O que é que tem serem ciganos?
- São maus!
- Mas são maus por serem ciganos?
- Não, por serem romenos.
- Mas por que é que são romenos?
- Porque são pobres!
- Ah, mas por serem pobres é que eles roubam?
- Claro que não, é por serem ciganos.



Pois é.




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