segunda-feira, junho 28, 2004
Frase do dia: “Fecha os olhos e acelera”.
“Se se parte do pressuposto de que a sociedade é o “complexo efeito de agregação” de milhares de decisões individuais, como resolver o desfasamento temporal, lógico e de poder entre estas “cristalizações\situações” anteriores ao sujeito que constituem o campo dos constrangimentos da sua acção de hoje?
O individualismo metodológico acentua a capacidade estratégica dos actores sublinhando simultaneamente a descontinuidade entre as intenções individuais e os “efeitos de composição” delas resultantes, que dão origem a “efeitos perversos”, produzindo uma sociedade contingente, em mutação não previsível. Neste sentido, actores e sistemas, mesmo se são interpenetrados, terão lógicas diferentes e, para Boudon, parece que as instituições não são controláveis pelos sujeitos da acção”.
Isabel Carvalho Guerra, Fundamentos e processos de uma sociologia de acção
Tempo de um poema...
“A violência do significado e do símbolo falhou agora eu recolho as rosas do jarro também assim a madrugada assassinada nos seus silêncios caminha para a plenitude da alvorada e da luz só que agora são eles que nos barcos partem e a minha vela é o próprio vento ao sabor dos tempos ao sabor dos lábios embalando o berço a mãe então sonha que o filho acorde”.
RMM
“Se se parte do pressuposto de que a sociedade é o “complexo efeito de agregação” de milhares de decisões individuais, como resolver o desfasamento temporal, lógico e de poder entre estas “cristalizações\situações” anteriores ao sujeito que constituem o campo dos constrangimentos da sua acção de hoje?
O individualismo metodológico acentua a capacidade estratégica dos actores sublinhando simultaneamente a descontinuidade entre as intenções individuais e os “efeitos de composição” delas resultantes, que dão origem a “efeitos perversos”, produzindo uma sociedade contingente, em mutação não previsível. Neste sentido, actores e sistemas, mesmo se são interpenetrados, terão lógicas diferentes e, para Boudon, parece que as instituições não são controláveis pelos sujeitos da acção”.
Isabel Carvalho Guerra, Fundamentos e processos de uma sociologia de acção
Tempo de um poema...
“A violência do significado e do símbolo falhou agora eu recolho as rosas do jarro também assim a madrugada assassinada nos seus silêncios caminha para a plenitude da alvorada e da luz só que agora são eles que nos barcos partem e a minha vela é o próprio vento ao sabor dos tempos ao sabor dos lábios embalando o berço a mãe então sonha que o filho acorde”.
RMM
quinta-feira, junho 24, 2004
Frase do dia: “Já não nos travam!!”
Anestesiado pelos cansaços vários, debaixo dos ecos sonoros do país em delírio... para além de toda a esperança em jogo.
Horas atrás, dois dias, duas noites, viagem pelas terras do interior desolado de todas as coisas, terceiro-mundista na maior parte das outras que existem, duas mulheres, um quarto barato numa terra desolada, tentar mostrar que existe um real nexo para fazer surgir flores de cimento em cima dos penhascos. Andando em torno de um percurso concreto, cismando sobre o abstracto, na noite insípida de cama pequena a olhar o tecto, descobri a verdadeira causa dos erros destes últimos meses-nunca hesites se és tu que tens o revólver na mão. Mas, agora, já nada disso interessa ou faz falta.
Adiante, e dois dias, e duas noites, e duas mulheres, e duas viagens, e duas as vezes que vi o velho que me lembrou o futuro que agora rejeito. Duas avestruzes raivosas a espreitar sobre a cerca, duas vezes a rebolar no penhasco, três cães de quinze centímetros, a pequena cobra d´ água, dois pés em cima do rio, duas respostas sem qualquer pergunta.
Duas noites, dois dias, duas horas, dois minutos, dois segundos.
O ancião que regressou, depois de “fugir à família”, olhou-me de alto a baixo e perguntou-me sorrindo: Você que sabe tudo diga-me lá uma coisa. O que é a mim a sogra da mulher do meu irmão?”
Meti uma moeda em promessa para a Senhora das Almas, voltei-me e vi o céu de amanhã.
Anestesiado pelos cansaços vários, debaixo dos ecos sonoros do país em delírio... para além de toda a esperança em jogo.
Horas atrás, dois dias, duas noites, viagem pelas terras do interior desolado de todas as coisas, terceiro-mundista na maior parte das outras que existem, duas mulheres, um quarto barato numa terra desolada, tentar mostrar que existe um real nexo para fazer surgir flores de cimento em cima dos penhascos. Andando em torno de um percurso concreto, cismando sobre o abstracto, na noite insípida de cama pequena a olhar o tecto, descobri a verdadeira causa dos erros destes últimos meses-nunca hesites se és tu que tens o revólver na mão. Mas, agora, já nada disso interessa ou faz falta.
Adiante, e dois dias, e duas noites, e duas mulheres, e duas viagens, e duas as vezes que vi o velho que me lembrou o futuro que agora rejeito. Duas avestruzes raivosas a espreitar sobre a cerca, duas vezes a rebolar no penhasco, três cães de quinze centímetros, a pequena cobra d´ água, dois pés em cima do rio, duas respostas sem qualquer pergunta.
Duas noites, dois dias, duas horas, dois minutos, dois segundos.
O ancião que regressou, depois de “fugir à família”, olhou-me de alto a baixo e perguntou-me sorrindo: Você que sabe tudo diga-me lá uma coisa. O que é a mim a sogra da mulher do meu irmão?”
Meti uma moeda em promessa para a Senhora das Almas, voltei-me e vi o céu de amanhã.
terça-feira, junho 22, 2004
Frase do dia: “Tu és uma má pessoa, tentas é ser boa... não é ao contrário”.
Já chega de loucura. Ex nihilo, nihil.
ENCONTRADO MAIS UMA VEZ IGNORANDO OSTENSIVAMENTE OS CISNES
Encontrado mais uma vez ignorando ostensivamente os cisnes que apaixonam os espectadores das margens dos rios americanos; encontrado mais uma vez a deixar caducar o negócio da China só porque o telefone tem uma correspondência mágica com a minha bicha-solitária. Encontrado mais uma vez a deixar a humanidade engalanada entregue ao perigo de um longo repouso oficial, enquanto os mármores aguardam preparados em históricos e deprimentes salões interiores. Encontrado mais uma vez a humilhar o funcionário do banco numa disputa de olhos nos olhos, dogma da arte, vidas errantes de olhares fixos e de outros murmúrios teatrais de génio; encontrado mais uma vez o objecto eleito da ansiedade celestial, como quem monta uma cilada a um eremita na floresta com visões de um parque de estacionamento superlotado; encontrado mais uma vez com camisolas a cheirar a naftalina, titulando filmes familiares, desenredando victorianos aparelhos de pesca ao salmão, fanaticamente convencido que há um mundo numa ordem fraternalmente ao virar da esquina. Encontrado mais uma vez a fazer planos para o ano ideal solitário que espera por mim como um primeiro amor carnal num calendário de opções de terceira mão; encontrado mais uma vez como uma estrela de papel devorando o fio suspenso no ar sobre as mãos que me trazem de comer e falando com eloquência sob influência astrológica; encontrado outra vez a vender a acessível inocência local enquanto no Pentágono a maldição de Tiffany só por si pode garantir o meu poder; encontrado mais uma vez confiando que os meus amigos foram criados no Paraíso e que não me hão-de fazer mal quando por fim eu estiver sem couraça e absolutamente silencioso; encontrado mais uma vez no princípio de todas as coisas, veterano de vários sacrifícios inúteis, profético mas não seminal, o purista para as massas do futuro; encontrado mais uma vez adoçando a vida que tinha abandonado, como um guarda do jardim zoológico despedido que atira furtivamente amendoins a elefantes públicos sodomizados; encontrado mais uma vez a exibir o arco-íris, o que prova que apenas tenho acesso às minhas necessidades mais urgentes; encontrado mais uma vez a limpar a minha língua de todas as possibilidades, de todas as possibilidades excepto a minha, a perfeita.
Leonard Cohen
Já chega de loucura. Ex nihilo, nihil.
ENCONTRADO MAIS UMA VEZ IGNORANDO OSTENSIVAMENTE OS CISNES
Encontrado mais uma vez ignorando ostensivamente os cisnes que apaixonam os espectadores das margens dos rios americanos; encontrado mais uma vez a deixar caducar o negócio da China só porque o telefone tem uma correspondência mágica com a minha bicha-solitária. Encontrado mais uma vez a deixar a humanidade engalanada entregue ao perigo de um longo repouso oficial, enquanto os mármores aguardam preparados em históricos e deprimentes salões interiores. Encontrado mais uma vez a humilhar o funcionário do banco numa disputa de olhos nos olhos, dogma da arte, vidas errantes de olhares fixos e de outros murmúrios teatrais de génio; encontrado mais uma vez o objecto eleito da ansiedade celestial, como quem monta uma cilada a um eremita na floresta com visões de um parque de estacionamento superlotado; encontrado mais uma vez com camisolas a cheirar a naftalina, titulando filmes familiares, desenredando victorianos aparelhos de pesca ao salmão, fanaticamente convencido que há um mundo numa ordem fraternalmente ao virar da esquina. Encontrado mais uma vez a fazer planos para o ano ideal solitário que espera por mim como um primeiro amor carnal num calendário de opções de terceira mão; encontrado mais uma vez como uma estrela de papel devorando o fio suspenso no ar sobre as mãos que me trazem de comer e falando com eloquência sob influência astrológica; encontrado outra vez a vender a acessível inocência local enquanto no Pentágono a maldição de Tiffany só por si pode garantir o meu poder; encontrado mais uma vez confiando que os meus amigos foram criados no Paraíso e que não me hão-de fazer mal quando por fim eu estiver sem couraça e absolutamente silencioso; encontrado mais uma vez no princípio de todas as coisas, veterano de vários sacrifícios inúteis, profético mas não seminal, o purista para as massas do futuro; encontrado mais uma vez adoçando a vida que tinha abandonado, como um guarda do jardim zoológico despedido que atira furtivamente amendoins a elefantes públicos sodomizados; encontrado mais uma vez a exibir o arco-íris, o que prova que apenas tenho acesso às minhas necessidades mais urgentes; encontrado mais uma vez a limpar a minha língua de todas as possibilidades, de todas as possibilidades excepto a minha, a perfeita.
Leonard Cohen
segunda-feira, junho 21, 2004
Frase do dia: “O síndroma da mulher que se apaixona pelo condenado à morte”.
pequeno conto
perguntando luna
Um dia, ou num dia, como este, assim, solarengo e longo de espaçadas horas longas que demoravam a passar, vivia um homem, de 30 anos, numa pequena aldeia, numa pequena cabana, num pequeno refúgio, mas junto ao mar. Ele era marinheiro. Era do mar que ele vivia. Todas as madrugadas acordava e montava a sua pequena rede para ir pescar, no seu pequeno barco, na sua pequena vida, no seu pequeno embalar, ao seu imenso mar. Porque era do mar que ele vivia. Do mar e dos seus peixes.
Um dia assim, como este, assim como este, ele saiu para o mar e, desta vez, porque o peixe começara a rarear no seu percurso quotidiano de pesca, ele resolveu aventurar-se um pouco mais para longe. Para longe, para mais longe, e para o mais mar adentro. Chegou a um sítio em que as águas eram muito límpidas. Ele nunca lá havia estado. Olhou as águas como quem procura o amor que naufragou algures, como quem procura um velho tesouro de imaginação de criança, como quem procura apenas o procurar. E ele olhou as águas e... quanto não foi o seu espanto quando ele viu, com uma nitidez cristalina, uma sereia espelhada nas mesmas águas, uma criatura mulher e peixe, uma criatura mágica que o olhava. Mas... aquilo assustou-o. Ele era apenas um homem simples e temia o estranho. O estranho a ele, estranho àquilo que não reconhecia e com que não se identificava. Remou o mais rápido que pôde para a costa. E voltou. De mãos vazias.
Passaram-se alguns dias e ele tinha que voltar ao mar. O mar era o seu sustento e ele não sabia fazer mais nada na vida. Voltou no seu pequeno barco, outra vez, outra vez, pelo mar adentro outra vez. Ele não queria voltar ao sítio das águas límpidas, o sítio onde vira a sereia, mas como o peixe era cada vez mais raro, mais uma vez ele voltou ao mesmo sítio. Ali mesmo. Ali mesmo onde imaginas. E ele não queria encarar as águas, porque tinha medo, queria apenas jogar a rede de olhos vendados, pescar o mais que pudesse e partir, pois tudo aquilo lhe fazia uma confusão extrema. Nunca vira nada assim. Criaturas como aquelas não existiam. Talvez fosse apenas uma insolação causada pelo sol forte. Pelo sol forte como este. Pelo sol forte como num dia como este. E ele iludia-se com este pensamento até que um raio de sol quente, isqueiro de fogo, nos seus olhos os fez baixar. E ele baixou-os na direcção das águas. Esfregou-os a custo e... outra vez. Ali, nas águas límpidas e cristalinas, era outra vez a sereia, era outra vez ela que olhava para ele. E mais uma vez aquilo o perturbou. Mais uma vez remou o mais rápido que pôde até à costa. Mais uma vez voltou. Mais uma vez pensou não voltar nunca mais. Nunca mais. Ao mar.
E os dias foram passando. A fome já começava a ser alguma e ele precisava trabalhar. Mas a fazer o quê? Ele só sabia pescar. Apenas. Só sabia pescar. E só sabia pescar. Apenas.
Resolveu ir até à aldeia à procura de trabalho. Tinha dois braços e duas pernas, talvez conseguisse alguma coisa. Mas, mesmo se o conseguisse, ele sentia que nunca poderia ser mais o mesmo. Porque ele amava o mar. Mas sentia que este o estava a trair. A traí-lo com visões do que não existia, a enlouquecê-lo, a fazerem-no ter medo, a não ser mais bem vindo. Não se atrevia a contar aquela história a quem quer que fosse. Iam-no tomar por louco, iam mandá-lo procurar um médico. E ele sofria com aquilo. As pessoas perguntavam o porquê de ele não voltava mais ao mar e ele, envergonhado, encolhia os ombros. Não sei, um dia. Um dia hei-de voltar. Mas duvidava. Que existisse. Esse mesmo. Um dia.
Ao chegar à aldeia deparou-se com uma grande agitação. As pessoas estavam todas reunidas na velha, mas grande, praça, todas numa grande algazarra, todas numa grande confusão. O que foi, perguntou a alguém. O mesmo alguém respondeu: É o mercador de sonhos. Ele voltou outra vez. Olha para as coisas bonitas que ele trouxe. Mas ele não conseguia ver nada. Rompeu pelo meio da multidão e irrompeu até ao centro. O centro onde estava. O mercador de sonhos. E as grandes novidades que trazia. O mercador de sonhos olhou para o marinheiro. Bom dia amigo, queres ver a grande novidade que trago para vós? Nunca viste nada assim! Sim, respondeu ele. Hesitante. E o mercador de sonhos sorriu. Sorriu e fez desfraldar o grande objecto que trazia. As pessoas suspiraram de espanto. Nunca tinham visto nada assim. Nunca tinham visto um espelho. O marinheiro encolheu-se sentindo o sorriso do mercador de sonhos. Olha, olha para lá, disse este. E o homem olhou. E por pouco não morreu de susto. Porque não era no mar que ele estava. Porque não era debaixo de um sol tão forte. Porque não era só ele que ali estava. Porque não eram as águas límpidas e cristalinas. E porque sem todos estes mesmos porque... era a sereia que, outra vez, ele via. Só que agora no espelho. Sentiu-se cambalear, estava definitivamente louco, não havia dúvida alguma. Louco!? O que seria da sua vida agora? Já não conseguia estar no mar e, agora, já nem sequer na terra ele conseguia. Afastou as pessoas ao redor de forma brusca sem pedir licença e, já fora da velha praça, desatou a correr e a correr. A correr em direcção à montanha, a correr em direcção à falésia. E, lá mesmo em cima, tendo o mar lá embaixo como um enorme abismo, deixou-se oscilar na ponta do precipício com as pontas dos pés. Os pensamentos dançavam na sua cabeça. A história da sereia estava a acabar com a sua sanidade mental. O que é que seria dele agora? O que é que iria fazer da sua vida? Nada. Sentia que não conseguiria fazer mais nada.
Então...
Deixou-se cair. Deixou-se cair no mar.
E passaram dois segundos em que ele não veio à tona. E passaram dois minutos em que ele não veio à tona. E passaram duas horas em que ele não veio à tona. E passaram dois dias. E passaram dois anos. E o tempo foi passando, mas ele não morreu.
Porque ele era uma sereia.
Porque os marinheiros só existem na imaginação das sereias.
Ricardo Mendonça Marques
pequeno conto
perguntando luna
Um dia, ou num dia, como este, assim, solarengo e longo de espaçadas horas longas que demoravam a passar, vivia um homem, de 30 anos, numa pequena aldeia, numa pequena cabana, num pequeno refúgio, mas junto ao mar. Ele era marinheiro. Era do mar que ele vivia. Todas as madrugadas acordava e montava a sua pequena rede para ir pescar, no seu pequeno barco, na sua pequena vida, no seu pequeno embalar, ao seu imenso mar. Porque era do mar que ele vivia. Do mar e dos seus peixes.
Um dia assim, como este, assim como este, ele saiu para o mar e, desta vez, porque o peixe começara a rarear no seu percurso quotidiano de pesca, ele resolveu aventurar-se um pouco mais para longe. Para longe, para mais longe, e para o mais mar adentro. Chegou a um sítio em que as águas eram muito límpidas. Ele nunca lá havia estado. Olhou as águas como quem procura o amor que naufragou algures, como quem procura um velho tesouro de imaginação de criança, como quem procura apenas o procurar. E ele olhou as águas e... quanto não foi o seu espanto quando ele viu, com uma nitidez cristalina, uma sereia espelhada nas mesmas águas, uma criatura mulher e peixe, uma criatura mágica que o olhava. Mas... aquilo assustou-o. Ele era apenas um homem simples e temia o estranho. O estranho a ele, estranho àquilo que não reconhecia e com que não se identificava. Remou o mais rápido que pôde para a costa. E voltou. De mãos vazias.
Passaram-se alguns dias e ele tinha que voltar ao mar. O mar era o seu sustento e ele não sabia fazer mais nada na vida. Voltou no seu pequeno barco, outra vez, outra vez, pelo mar adentro outra vez. Ele não queria voltar ao sítio das águas límpidas, o sítio onde vira a sereia, mas como o peixe era cada vez mais raro, mais uma vez ele voltou ao mesmo sítio. Ali mesmo. Ali mesmo onde imaginas. E ele não queria encarar as águas, porque tinha medo, queria apenas jogar a rede de olhos vendados, pescar o mais que pudesse e partir, pois tudo aquilo lhe fazia uma confusão extrema. Nunca vira nada assim. Criaturas como aquelas não existiam. Talvez fosse apenas uma insolação causada pelo sol forte. Pelo sol forte como este. Pelo sol forte como num dia como este. E ele iludia-se com este pensamento até que um raio de sol quente, isqueiro de fogo, nos seus olhos os fez baixar. E ele baixou-os na direcção das águas. Esfregou-os a custo e... outra vez. Ali, nas águas límpidas e cristalinas, era outra vez a sereia, era outra vez ela que olhava para ele. E mais uma vez aquilo o perturbou. Mais uma vez remou o mais rápido que pôde até à costa. Mais uma vez voltou. Mais uma vez pensou não voltar nunca mais. Nunca mais. Ao mar.
E os dias foram passando. A fome já começava a ser alguma e ele precisava trabalhar. Mas a fazer o quê? Ele só sabia pescar. Apenas. Só sabia pescar. E só sabia pescar. Apenas.
Resolveu ir até à aldeia à procura de trabalho. Tinha dois braços e duas pernas, talvez conseguisse alguma coisa. Mas, mesmo se o conseguisse, ele sentia que nunca poderia ser mais o mesmo. Porque ele amava o mar. Mas sentia que este o estava a trair. A traí-lo com visões do que não existia, a enlouquecê-lo, a fazerem-no ter medo, a não ser mais bem vindo. Não se atrevia a contar aquela história a quem quer que fosse. Iam-no tomar por louco, iam mandá-lo procurar um médico. E ele sofria com aquilo. As pessoas perguntavam o porquê de ele não voltava mais ao mar e ele, envergonhado, encolhia os ombros. Não sei, um dia. Um dia hei-de voltar. Mas duvidava. Que existisse. Esse mesmo. Um dia.
Ao chegar à aldeia deparou-se com uma grande agitação. As pessoas estavam todas reunidas na velha, mas grande, praça, todas numa grande algazarra, todas numa grande confusão. O que foi, perguntou a alguém. O mesmo alguém respondeu: É o mercador de sonhos. Ele voltou outra vez. Olha para as coisas bonitas que ele trouxe. Mas ele não conseguia ver nada. Rompeu pelo meio da multidão e irrompeu até ao centro. O centro onde estava. O mercador de sonhos. E as grandes novidades que trazia. O mercador de sonhos olhou para o marinheiro. Bom dia amigo, queres ver a grande novidade que trago para vós? Nunca viste nada assim! Sim, respondeu ele. Hesitante. E o mercador de sonhos sorriu. Sorriu e fez desfraldar o grande objecto que trazia. As pessoas suspiraram de espanto. Nunca tinham visto nada assim. Nunca tinham visto um espelho. O marinheiro encolheu-se sentindo o sorriso do mercador de sonhos. Olha, olha para lá, disse este. E o homem olhou. E por pouco não morreu de susto. Porque não era no mar que ele estava. Porque não era debaixo de um sol tão forte. Porque não era só ele que ali estava. Porque não eram as águas límpidas e cristalinas. E porque sem todos estes mesmos porque... era a sereia que, outra vez, ele via. Só que agora no espelho. Sentiu-se cambalear, estava definitivamente louco, não havia dúvida alguma. Louco!? O que seria da sua vida agora? Já não conseguia estar no mar e, agora, já nem sequer na terra ele conseguia. Afastou as pessoas ao redor de forma brusca sem pedir licença e, já fora da velha praça, desatou a correr e a correr. A correr em direcção à montanha, a correr em direcção à falésia. E, lá mesmo em cima, tendo o mar lá embaixo como um enorme abismo, deixou-se oscilar na ponta do precipício com as pontas dos pés. Os pensamentos dançavam na sua cabeça. A história da sereia estava a acabar com a sua sanidade mental. O que é que seria dele agora? O que é que iria fazer da sua vida? Nada. Sentia que não conseguiria fazer mais nada.
Então...
Deixou-se cair. Deixou-se cair no mar.
E passaram dois segundos em que ele não veio à tona. E passaram dois minutos em que ele não veio à tona. E passaram duas horas em que ele não veio à tona. E passaram dois dias. E passaram dois anos. E o tempo foi passando, mas ele não morreu.
Porque ele era uma sereia.
Porque os marinheiros só existem na imaginação das sereias.
Ricardo Mendonça Marques
domingo, junho 20, 2004
Frase do dia: “Vamos lá cambada!”
Tempo de um poema
“Antecipando a espera a pequena cobra no porta-malas esperando a viagem deixa morrer a dor hoje para que amanhã já não exista mais dor alguma caem os prédios também os gigantes tombam para fora e tão longe do dia mutilado à espera vamo-nos embora hoje para sempre para que amanhã possamos voltar mais puros e não exista o para sempre antecipando a queda dos cometas cadentes em chamas construindo a noite de fractura exposta esperando esse dia em que talvez já as lágrimas secas possam apenas matar com água os que têm sede”.
RMM
Tempo de um poema
“Antecipando a espera a pequena cobra no porta-malas esperando a viagem deixa morrer a dor hoje para que amanhã já não exista mais dor alguma caem os prédios também os gigantes tombam para fora e tão longe do dia mutilado à espera vamo-nos embora hoje para sempre para que amanhã possamos voltar mais puros e não exista o para sempre antecipando a queda dos cometas cadentes em chamas construindo a noite de fractura exposta esperando esse dia em que talvez já as lágrimas secas possam apenas matar com água os que têm sede”.
RMM
sexta-feira, junho 18, 2004
Frase do dia: “A impossibilidade do possível morrendo na mesma inutilidade inútil”.
Para quem, agora, as palavras?
Para quem, agora, as palavras?
quarta-feira, junho 16, 2004
Frase do dia: ”A vida ensina-nos lições, mas quando é que a vida aprende?!”.
Desabafo existencialista de uma tarde quente
Estou deveras cansado. Disse, algures, que isto era um blog sobre a dor, mas, realmente, a dor já me está a cansar. Penso sinceramente em acabar com isto de vez e, mesmo dentro deste universo vazio sem rosto, se bem que as cicatrizes da navalha expostas me tragam a urgência de rasgar sempre um pouco mais, não importa, cada vez mais sinto que não vale a pena. Tal como nunca valeu. A pena.
Apenas pela memória de um tempo sem significado, apenas na cabeça iludida e nas mãos deste mesmo que escreve, apenas por qualquer coisa encarregada de explodir nas mesmas mãos decepadas, apenas a urgência de um fim que valha a pena, que sinta que signifique que o sentimento exista... mesmo que nenhum fim sentimental exista.
Demasiado grande o compromisso para que se transforme numa coisa pequena. Demasiado compromisso para que possa escapar impune.
“... temos de ir construindo, em cima disto tudo, o que vai negar isto tudo. O que nos vai negar, Paizinho.
Eu sei, mas para ter a certeza, que não posso nunca ter, não é uma coisa feita por medida, como um fato, não tem uma certeza na medida de cada qual mesmo que cada qual vista sua certezinha consigo e sem ela não se pode viver, preciso de te ouvir dizer o que eu sei bem, mas que, dito por ti, por outro alheio, é mais certo: o teu relativo vira absoluto meu- solidariedade, é assim?- e vai também me tranquilizar, nascer a certeza que depois vou destruir e destruindo-lhe para lhe reconstruir e ir assim, contigo que não és só tu mas nós, os do Makulusu, fabricando, não a certeza, mas certezas que vão nos ajudar a ser nem cobardes nem heróis: homens só. Dos cobardes não reza a história, mas o pior, Maninho, quanto mais heróis tem um povo, mais infeliz é”.
José Luandino Vieira, Nós, os do Makulusu
Desabafo existencialista de uma tarde quente
Estou deveras cansado. Disse, algures, que isto era um blog sobre a dor, mas, realmente, a dor já me está a cansar. Penso sinceramente em acabar com isto de vez e, mesmo dentro deste universo vazio sem rosto, se bem que as cicatrizes da navalha expostas me tragam a urgência de rasgar sempre um pouco mais, não importa, cada vez mais sinto que não vale a pena. Tal como nunca valeu. A pena.
Apenas pela memória de um tempo sem significado, apenas na cabeça iludida e nas mãos deste mesmo que escreve, apenas por qualquer coisa encarregada de explodir nas mesmas mãos decepadas, apenas a urgência de um fim que valha a pena, que sinta que signifique que o sentimento exista... mesmo que nenhum fim sentimental exista.
Demasiado grande o compromisso para que se transforme numa coisa pequena. Demasiado compromisso para que possa escapar impune.
“... temos de ir construindo, em cima disto tudo, o que vai negar isto tudo. O que nos vai negar, Paizinho.
Eu sei, mas para ter a certeza, que não posso nunca ter, não é uma coisa feita por medida, como um fato, não tem uma certeza na medida de cada qual mesmo que cada qual vista sua certezinha consigo e sem ela não se pode viver, preciso de te ouvir dizer o que eu sei bem, mas que, dito por ti, por outro alheio, é mais certo: o teu relativo vira absoluto meu- solidariedade, é assim?- e vai também me tranquilizar, nascer a certeza que depois vou destruir e destruindo-lhe para lhe reconstruir e ir assim, contigo que não és só tu mas nós, os do Makulusu, fabricando, não a certeza, mas certezas que vão nos ajudar a ser nem cobardes nem heróis: homens só. Dos cobardes não reza a história, mas o pior, Maninho, quanto mais heróis tem um povo, mais infeliz é”.
José Luandino Vieira, Nós, os do Makulusu
domingo, junho 13, 2004
Frase do dia: ”Enterra-o ou apodrecerá nas tuas mãos vazias”.
“Quando há um problema, as pessoas inventam sempre termos como exclusão, como integração. Nós chamamos a isso de actualidade. Mas o que é que isso quer dizer? A integração, por exemplo? Eles falam de um problema de integração para nós. Mas como é que tu queres integrar um milímetro de qualquer coisa dentro de outro milímetro? Ou uma esfera dentro de outra esfera? Tu tens duas coisas análogas, então, como e porquê é que tu as queres integrar? É preciso integrar o quê dentro de quê?”
entrevista a um jovem muçulmano na Alemanha
Nikola Tietze, Jeunes musulmans de France et d´Allemagne,
Les constructions subjectives de l´identité
Tempo do não ter tempo
MORTE ESTÁTICA
As flores do teu cemitério esta manhã estavam mais frescas na incerteza da noite ou das plantas a chuva dança contra os vidros e desenha a silhueta esfinge dos teus lábios entre as coxas passeio no parque alheio à cidade cinzenta a falta de oxigénio recalca a memória que me diz as estátuas desiludem não desesperes linda criança a natureza é um cesto de papoilas tão perto de nós dançam as borboletas tão perto de nós sorriem as margaridas tão perto de nós regressam as andorinhas tão perto de nós as estátuas desiludem as estátuas desiludem as estátuas desiludem as estátuas desiludem as estátuas desiludem as estátuas.
Ricardo Mendonça Marques
“Quando há um problema, as pessoas inventam sempre termos como exclusão, como integração. Nós chamamos a isso de actualidade. Mas o que é que isso quer dizer? A integração, por exemplo? Eles falam de um problema de integração para nós. Mas como é que tu queres integrar um milímetro de qualquer coisa dentro de outro milímetro? Ou uma esfera dentro de outra esfera? Tu tens duas coisas análogas, então, como e porquê é que tu as queres integrar? É preciso integrar o quê dentro de quê?”
entrevista a um jovem muçulmano na Alemanha
Nikola Tietze, Jeunes musulmans de France et d´Allemagne,
Les constructions subjectives de l´identité
Tempo do não ter tempo
MORTE ESTÁTICA
As flores do teu cemitério esta manhã estavam mais frescas na incerteza da noite ou das plantas a chuva dança contra os vidros e desenha a silhueta esfinge dos teus lábios entre as coxas passeio no parque alheio à cidade cinzenta a falta de oxigénio recalca a memória que me diz as estátuas desiludem não desesperes linda criança a natureza é um cesto de papoilas tão perto de nós dançam as borboletas tão perto de nós sorriem as margaridas tão perto de nós regressam as andorinhas tão perto de nós as estátuas desiludem as estátuas desiludem as estátuas desiludem as estátuas desiludem as estátuas desiludem as estátuas.
Ricardo Mendonça Marques
quinta-feira, junho 10, 2004
Frase do dia: “Tanta luz, tanta cor, mas tanta vida desperdiçada... com toda a leveza de um riso sem esperança”.
“É possível definir a noção de norma num sentido unívoco. Trata-se de toda a situação ou de todo o comportamento esperado por um grupo social. Algumas acções são, pois, prescritas (o que é “bom”) ao passo que outras estão interditas (o que está “mal”), em cada grupo social.
Todavia, é mais delicado definir aqueles que transgridem estas normas e, para Becker, existem pelo menos dois sentidos no termo outsider: pode tratar-se, efectivamente, do indivíduo que transgride uma norma e que se torna assim “estranho” face ao grupo. Mas o termo pode também designar aqueles que são estranhos ao grupo dos desviantes.
Com efeito, o indivíduo etiquetado como estranho percebe também a sua situação e pode avaliar os seus juizes como sendo estranhos ao seu universo.
O termo outsider contém, pois, um duplo olhar: serve para designar o que contém de estranheza tanto o olhar dos desviantes para os normais, como o olhar dos normais para os desviantes “.
Martine Xiberras, As Teorias da Exclusão, para uma construção do imaginário do desvio
Tempo do que já se sabe...
fuga
Hoje não escrevo, não faço, não digo
estou comigo
e com o chilrear dos pássaros
as flores primaveris no jardim
o constante murmúrio do rio
Hoje faço greve ao tempo
paro o dia
fico suspenso no sol
e abrem-se janelas interiores
portadas de luz em que me dissolvo
num doce esquecimento
Apenas a luz desconhece princípio ou fim
Paulo Barbosa, economia de palavras
“É possível definir a noção de norma num sentido unívoco. Trata-se de toda a situação ou de todo o comportamento esperado por um grupo social. Algumas acções são, pois, prescritas (o que é “bom”) ao passo que outras estão interditas (o que está “mal”), em cada grupo social.
Todavia, é mais delicado definir aqueles que transgridem estas normas e, para Becker, existem pelo menos dois sentidos no termo outsider: pode tratar-se, efectivamente, do indivíduo que transgride uma norma e que se torna assim “estranho” face ao grupo. Mas o termo pode também designar aqueles que são estranhos ao grupo dos desviantes.
Com efeito, o indivíduo etiquetado como estranho percebe também a sua situação e pode avaliar os seus juizes como sendo estranhos ao seu universo.
O termo outsider contém, pois, um duplo olhar: serve para designar o que contém de estranheza tanto o olhar dos desviantes para os normais, como o olhar dos normais para os desviantes “.
Martine Xiberras, As Teorias da Exclusão, para uma construção do imaginário do desvio
Tempo do que já se sabe...
fuga
Hoje não escrevo, não faço, não digo
estou comigo
e com o chilrear dos pássaros
as flores primaveris no jardim
o constante murmúrio do rio
Hoje faço greve ao tempo
paro o dia
fico suspenso no sol
e abrem-se janelas interiores
portadas de luz em que me dissolvo
num doce esquecimento
Apenas a luz desconhece princípio ou fim
Paulo Barbosa, economia de palavras
quarta-feira, junho 09, 2004
Frase do dia: “A mim a vida, não obstante o que da mesma e da minha pensas, é a ela, a mim, a quem dás mais cor”.
Definição e dissecação de conceitos
Identidade\ Alteridade
Identidade e Alteridade, ou a ideia do Eu e a ideia do Outro, são aspectos essenciais a toda e qualquer análise.
Eu e o Outro, é sempre desta relação dialéctica que toda e qualquer evolução, todo e qualquer relacionamento social e humano, toma o mais completo sentido. O Outro constrói a ideia que eu tenho do meu Eu. Pelo outro lado, é sempre no Outro que eu projecto as minhas aspirações e os meus receios.
Embora Eu e o Outro sejamos iguais, enquanto entidades equivalentes dentro do mesmo espaço e tempo, a nossa relação está sempre condicionada e repleta de juízos de valor e de escalas de atitude. O peso social e simbólico, que certas categorias dicotómicas como branco\negro, dominador\dominado ou colonizador\colonizado ostentam, faz com que se assuma um peso deveras preponderante porque se torna inerente a uma ordem social determinada que se transforma numa realidade manifesta.
É por isso que Eu e o Outro nunca somos iguais. Estamos sempre condicionados por inúmeras escalas de importância perante aquilo que se determina como sendo os valores da sociedade dominante. Logo, se bem que Identidade ou Alteridade não sejam conceitos estáticos, visto que um não existe sem o outro, ou que ambos não existem sem o tempo e o lugar, a verdade é que, segundo determinadas regras e postulados, eles se tornam como uma coisa em si e determinada; esquecendo-se dessa mesma interacção dialéctica de evolução e de aprendizagem.
Torna-se muitas vezes difícil definir quem é o Eu e quem é o Outro. Na maior parte das vezes apenas se vai sendo um e o outro em contínua transformação. É certo que o Eu, que a Identidade, é sempre algo que se fragmenta e que se procura. É nesta mesma fragmentação que o Outro tem sempre o seu lugar. É sempre o lugar do Outro que posiciona o meu, é sempre através dos olhos dele que eu me revejo e projecto, mesmo se se tratando de uma Identidade que está sempre em permanente procura e em permanente construção.
(...)
Ricardo Mendonça Marques (trabalhos de mestrado, UNI)
Tempo de um poema...
Que pena
Por favor vem devagar que eu espero
nunca estive assim antes sem razão
se me ouvires pai
a razão do sofrimento não há
não existe como imaginas
é fácil
uma pena é uma pena que pena
não há pena nunca mais
que pena
adeus
o tempo escorrega de pneus carecas
as luzes já vão aparecendo na minha cabeça
também
apesar de não me ouvires meu filho
é difícil parar
os mexilhões sabem cada vez melhor
porque mesmo sem razão o sofrimento existe
e existe a pressa da fuga
que pena é uma pena uma pena
não haver pena nunca mais
que pena
adeus
Rodrigo de Matos
Definição e dissecação de conceitos
Identidade\ Alteridade
Identidade e Alteridade, ou a ideia do Eu e a ideia do Outro, são aspectos essenciais a toda e qualquer análise.
Eu e o Outro, é sempre desta relação dialéctica que toda e qualquer evolução, todo e qualquer relacionamento social e humano, toma o mais completo sentido. O Outro constrói a ideia que eu tenho do meu Eu. Pelo outro lado, é sempre no Outro que eu projecto as minhas aspirações e os meus receios.
Embora Eu e o Outro sejamos iguais, enquanto entidades equivalentes dentro do mesmo espaço e tempo, a nossa relação está sempre condicionada e repleta de juízos de valor e de escalas de atitude. O peso social e simbólico, que certas categorias dicotómicas como branco\negro, dominador\dominado ou colonizador\colonizado ostentam, faz com que se assuma um peso deveras preponderante porque se torna inerente a uma ordem social determinada que se transforma numa realidade manifesta.
É por isso que Eu e o Outro nunca somos iguais. Estamos sempre condicionados por inúmeras escalas de importância perante aquilo que se determina como sendo os valores da sociedade dominante. Logo, se bem que Identidade ou Alteridade não sejam conceitos estáticos, visto que um não existe sem o outro, ou que ambos não existem sem o tempo e o lugar, a verdade é que, segundo determinadas regras e postulados, eles se tornam como uma coisa em si e determinada; esquecendo-se dessa mesma interacção dialéctica de evolução e de aprendizagem.
Torna-se muitas vezes difícil definir quem é o Eu e quem é o Outro. Na maior parte das vezes apenas se vai sendo um e o outro em contínua transformação. É certo que o Eu, que a Identidade, é sempre algo que se fragmenta e que se procura. É nesta mesma fragmentação que o Outro tem sempre o seu lugar. É sempre o lugar do Outro que posiciona o meu, é sempre através dos olhos dele que eu me revejo e projecto, mesmo se se tratando de uma Identidade que está sempre em permanente procura e em permanente construção.
(...)
Ricardo Mendonça Marques (trabalhos de mestrado, UNI)
Tempo de um poema...
Que pena
Por favor vem devagar que eu espero
nunca estive assim antes sem razão
se me ouvires pai
a razão do sofrimento não há
não existe como imaginas
é fácil
uma pena é uma pena que pena
não há pena nunca mais
que pena
adeus
o tempo escorrega de pneus carecas
as luzes já vão aparecendo na minha cabeça
também
apesar de não me ouvires meu filho
é difícil parar
os mexilhões sabem cada vez melhor
porque mesmo sem razão o sofrimento existe
e existe a pressa da fuga
que pena é uma pena uma pena
não haver pena nunca mais
que pena
adeus
Rodrigo de Matos
segunda-feira, junho 07, 2004
Frase do dia: “Em nós mil e um demónios, seiscentas e quarenta fadas,... mas só tu...”.
“Vês, Mimi: a morte, a dor, não nasce limpeza mesmo que os cadáveres estejam limpos próprio, higiénicos e bonitos, como tu soluças. Cá estou eu a te levantar a saia, miúdo ordinário que me xingavas, e a culpa não é tua, não é minha, não é de ninguém: é de todos nós que deixamos nascer jacarés na água pura”.
José Luandino Vieira, Nós, os do Makulusu
“Tão só e tão apenas só tão longe e tão apenas longe o remédio para o irremediável sem remédio pondero agora o que ele disse nunca mais escrevas versos meu amigo nunca mais porque senão não vale a pena o discurso negro mas eu tão só e tão apenas longe tão longe e tão apenas só sou como Müller todos os anjos de pedra escombros destroços também a minha vergonha precisa do meu poema tão longe e tão apenas só tão só e tão apenas longe acredito no acreditar em voo caindo em estrelas nuvens no teu colo seios amamentando a serpente criança no teu peito tão só e tão apenas só tão longe e tão apenas longe mas de todas as formas quando estás eu sei que estou perto quando estás eu sei pois não estou sozinho”.
RMM
“Vês, Mimi: a morte, a dor, não nasce limpeza mesmo que os cadáveres estejam limpos próprio, higiénicos e bonitos, como tu soluças. Cá estou eu a te levantar a saia, miúdo ordinário que me xingavas, e a culpa não é tua, não é minha, não é de ninguém: é de todos nós que deixamos nascer jacarés na água pura”.
José Luandino Vieira, Nós, os do Makulusu
“Tão só e tão apenas só tão longe e tão apenas longe o remédio para o irremediável sem remédio pondero agora o que ele disse nunca mais escrevas versos meu amigo nunca mais porque senão não vale a pena o discurso negro mas eu tão só e tão apenas longe tão longe e tão apenas só sou como Müller todos os anjos de pedra escombros destroços também a minha vergonha precisa do meu poema tão longe e tão apenas só tão só e tão apenas longe acredito no acreditar em voo caindo em estrelas nuvens no teu colo seios amamentando a serpente criança no teu peito tão só e tão apenas só tão longe e tão apenas longe mas de todas as formas quando estás eu sei que estou perto quando estás eu sei pois não estou sozinho”.
RMM
terça-feira, junho 01, 2004
Frase do dia: ”Sinto a falta de ti na falta que de mim eu sinto, mas hoje sinto que os deuses embalam”.
30
1. sendo o que se procura
2. não tendo apenas a falta do sonho
3. aberto anjo pleno de criança o peito pluma
4. do caminhar sonâmbulo
5. pássaro mestiço véu de sangue o cigarro acende
6. em cinzas fénix torta oscilando o passo
7. que se agiganta procurando a boca da enorme sede
8. vem
9. beber devagar no meu sonho
10. em cada passo que dou está a presença
11. esquecida do tempo em que nós
12. soprámos ouvidos ao encantamento da serpente pluma
13. tão leve como o beijo daquela manhã
14. esquecida
15. em nós hoje os lábios
16. só e apenas lâminas
17. na face desfigurada de quem ama
18. apenas o amor
19. ao que não
20. se conhece nem procura
21. vendo e vivendo sempre
22. nos teus olhos
23. que brilham sombras
24. nos meus olhos
25. o brilho sombra dos teus
26. que alimenta só e
27. apenas
28. a flor
29. de aço
30. no meu peito.
Ricardo
No hoje no amanhã no depois...
Já são alguns!!!
30
1. sendo o que se procura
2. não tendo apenas a falta do sonho
3. aberto anjo pleno de criança o peito pluma
4. do caminhar sonâmbulo
5. pássaro mestiço véu de sangue o cigarro acende
6. em cinzas fénix torta oscilando o passo
7. que se agiganta procurando a boca da enorme sede
8. vem
9. beber devagar no meu sonho
10. em cada passo que dou está a presença
11. esquecida do tempo em que nós
12. soprámos ouvidos ao encantamento da serpente pluma
13. tão leve como o beijo daquela manhã
14. esquecida
15. em nós hoje os lábios
16. só e apenas lâminas
17. na face desfigurada de quem ama
18. apenas o amor
19. ao que não
20. se conhece nem procura
21. vendo e vivendo sempre
22. nos teus olhos
23. que brilham sombras
24. nos meus olhos
25. o brilho sombra dos teus
26. que alimenta só e
27. apenas
28. a flor
29. de aço
30. no meu peito.
Ricardo
No hoje no amanhã no depois...
Já são alguns!!!