sexta-feira, abril 30, 2004
Frase do dia: “Estava à tua espera...”.
Vidros Embaciados
E nós... pela avenida fora
E como sempre em néon
Enquanto cavalos relincham no seu sono
Uma grande máscara no meu rosto “Quem é?”, perguntam
“Um simples passageiro, um estranho”.
Nosferatu aguardando a noite, as presas estão velhas
Pousado no meu colchão e por baixo de mim mesmo os lençóis
Um retrato antigo e uma
Folha
Morta de Inverno
O pai na secretária aguarda o adeus que não chega
A mãe tece longe e longa vai a noite que embala
No berço
O filho
“Este nasceu sem olhos!” disse ela e um corvo pousou no seu ombro
E ao longe alguém um cigarro acendeu
E agora? Quando tudo é seco onde procuras a água?
Reservo no rescaldo do meu brilho esta certeza
E agora? Perguntas quando o motor falhou e na bomba de gasolina
Parados
A olhar os cometas
Faz desenhos! Olha-os! Não os vês pairar? Olha como eles brilham!!
“Olha como eles brilham!” disse ele
“Olha não os vês brilhar!” ela disse
E então a sede acabou e os brinquedos ficaram para o dia seguinte
Claus Min (RIP-74\98)
Vidros Embaciados
E nós... pela avenida fora
E como sempre em néon
Enquanto cavalos relincham no seu sono
Uma grande máscara no meu rosto “Quem é?”, perguntam
“Um simples passageiro, um estranho”.
Nosferatu aguardando a noite, as presas estão velhas
Pousado no meu colchão e por baixo de mim mesmo os lençóis
Um retrato antigo e uma
Folha
Morta de Inverno
O pai na secretária aguarda o adeus que não chega
A mãe tece longe e longa vai a noite que embala
No berço
O filho
“Este nasceu sem olhos!” disse ela e um corvo pousou no seu ombro
E ao longe alguém um cigarro acendeu
E agora? Quando tudo é seco onde procuras a água?
Reservo no rescaldo do meu brilho esta certeza
E agora? Perguntas quando o motor falhou e na bomba de gasolina
Parados
A olhar os cometas
Faz desenhos! Olha-os! Não os vês pairar? Olha como eles brilham!!
“Olha como eles brilham!” disse ele
“Olha não os vês brilhar!” ela disse
E então a sede acabou e os brinquedos ficaram para o dia seguinte
Claus Min (RIP-74\98)
quinta-feira, abril 29, 2004
Frase do dia: “Ex.mo. senhor... vá-se foder”.
“Na dor, que é precisamente uma dor criada perpetuamente pela consciência que dela se toma, que se faz ser, que não é nunca suficientemente sincera, suficientemente dolorosa- todos os romancistas assinalaram a espécie de afectação que há em toda e qualquer dor, porque se faz ela ser, e a espécie de pesar por ela já não ser-, em qualquer dor há dor dos outros, a qual nós só vemos sob a forma que lhe dá o seu corpo, que é um objecto particular e que, nesse momento, nos aparece como um ser. Mesmo o sonho de uma dor é ser uma dor que é, e não uma dor que seja como consciência de ser”.
Jean-Paul Sartre, Consciência de Si e Conhecimento de Si
Dia horrível, o que vale é que a vida não é para sempre.
Tempo de um... adivinhem! É que novidades também não as há.
Luxemburgo
Uma grande recta em lado nenhum tangente a um qualquer ponto indefinido
De vez em quando é preciso ser-se mau!
O mercador de sonhos escapou de novo- Ilusão politicamente correcta, a polícia não viu a estrela de ópio nos seus bolsos
Ah! Ah! A gasolina mede aos metros os limites do todo grande Império Fascista do Alcatrão
E mais tarde, diremos, sobre as negras margens... o rio Petrusse
Estranhamente magro... mas olha! Não vês os morcegos no seu ventre?
E dir-te-ia que tudo isto me lembra uma arte em néon ou a minha cidade ainda e os seus rios negros
E por que não flores e lagos, mas olha... como rodam aqueles!!!
Dois corpos em fuga dentro de um porsche amarelo que estranho embala nos seus tesos bancos o berço... o estranho repasto às deusas podres da noite
Ainda sinto a serpente no meu peito
E a estranha angústia de me sentir distante
“Quando a maçã rolou até ao rio não pensei atirar-me à maçã. Atirei-me ao rio”.
Passeámos longamente numa mente longa
Estradas do meu cérebro eu não conheço
E dir-te-ei tatuar um rio em cada tempo
O vento traduz a frase
Ainda nos uivam à noite, o ódio está em todo o lado, bebe-se em todas as máscaras. E tudo o que nos resta é a ilusão ambiciosa que não tombámos no abismo. Como se ele não fora por nós criado.
O vento transfigura os rostos
On nous hurle encore pendant la nuit, la haine est partout, on la boit en toutes les masques. Et tout ce qui nous suffit est l´illusion ambitieuse de ne pas avoir tombé dans le gouffre. Comme s´il n´avait pas été par nous construit.
As palavras traduzem os nossos gestos
Mas o medo
É tão só o silêncio
Intransponível
Carta de mim para ti
Sem dizer nada e mais nada
Cidade do Luxemburgo
Julho de 98
Claus Min (74\98)
“Na dor, que é precisamente uma dor criada perpetuamente pela consciência que dela se toma, que se faz ser, que não é nunca suficientemente sincera, suficientemente dolorosa- todos os romancistas assinalaram a espécie de afectação que há em toda e qualquer dor, porque se faz ela ser, e a espécie de pesar por ela já não ser-, em qualquer dor há dor dos outros, a qual nós só vemos sob a forma que lhe dá o seu corpo, que é um objecto particular e que, nesse momento, nos aparece como um ser. Mesmo o sonho de uma dor é ser uma dor que é, e não uma dor que seja como consciência de ser”.
Jean-Paul Sartre, Consciência de Si e Conhecimento de Si
Dia horrível, o que vale é que a vida não é para sempre.
Tempo de um... adivinhem! É que novidades também não as há.
Luxemburgo
Uma grande recta em lado nenhum tangente a um qualquer ponto indefinido
De vez em quando é preciso ser-se mau!
O mercador de sonhos escapou de novo- Ilusão politicamente correcta, a polícia não viu a estrela de ópio nos seus bolsos
Ah! Ah! A gasolina mede aos metros os limites do todo grande Império Fascista do Alcatrão
E mais tarde, diremos, sobre as negras margens... o rio Petrusse
Estranhamente magro... mas olha! Não vês os morcegos no seu ventre?
E dir-te-ia que tudo isto me lembra uma arte em néon ou a minha cidade ainda e os seus rios negros
E por que não flores e lagos, mas olha... como rodam aqueles!!!
Dois corpos em fuga dentro de um porsche amarelo que estranho embala nos seus tesos bancos o berço... o estranho repasto às deusas podres da noite
Ainda sinto a serpente no meu peito
E a estranha angústia de me sentir distante
“Quando a maçã rolou até ao rio não pensei atirar-me à maçã. Atirei-me ao rio”.
Passeámos longamente numa mente longa
Estradas do meu cérebro eu não conheço
E dir-te-ei tatuar um rio em cada tempo
O vento traduz a frase
Ainda nos uivam à noite, o ódio está em todo o lado, bebe-se em todas as máscaras. E tudo o que nos resta é a ilusão ambiciosa que não tombámos no abismo. Como se ele não fora por nós criado.
O vento transfigura os rostos
On nous hurle encore pendant la nuit, la haine est partout, on la boit en toutes les masques. Et tout ce qui nous suffit est l´illusion ambitieuse de ne pas avoir tombé dans le gouffre. Comme s´il n´avait pas été par nous construit.
As palavras traduzem os nossos gestos
Mas o medo
É tão só o silêncio
Intransponível
Carta de mim para ti
Sem dizer nada e mais nada
Cidade do Luxemburgo
Julho de 98
Claus Min (74\98)
quarta-feira, abril 28, 2004
Frase do dia: “Realmente... não estava mesmo nada à espera”.
Ébrio
Bella Lugosi à boleia com o Nosferatu
Friedrich Nietzsche à boleia com o Anticristo
O chicote do álcool faz-me arder o peito
Também eu pereci no duelo com o outro
Homem que fui
Contemplo o sabor do sal sob o sol deste céu
Vermelho
Porque hei-de querer respostas se o batom está sujo?
Tom Waits, o rouco, encostado a um poste, o bêbedo
Que animal serias tu na tua Disneylândia à noite?
Ou com quem nos teus sonhos húmidos
Te faz desfazer as células passo a passo?
Virá o carnaval mais tarde o natal virá com outras crianças
Cresce a barba aparada do nosso deus na cruz
No politicamente correcto do nosso ingénuo Cristo
Em que parágrafo se lê a verdade se os nossos livros estão velhos?
Aplaudo o teu palco na minha plateia iluminada
Seria estranho pensar que me julgavas morto
Pois esta é apenas a vida por dentro e não a exposta aos olhos
Tonto me aproximo quando os teus olhos gritam
Zonzo me aproximo quando os teus lábios gritam
BÊBEDO BÊBEDO BÊBEDO
Encaro-te na tranquilidade de ser eu próprio
Bebi demasiado em ti
Para que agora tu queiras
Que eu te fale sóbrio
Claus Min (1974\1998)
Ébrio
Bella Lugosi à boleia com o Nosferatu
Friedrich Nietzsche à boleia com o Anticristo
O chicote do álcool faz-me arder o peito
Também eu pereci no duelo com o outro
Homem que fui
Contemplo o sabor do sal sob o sol deste céu
Vermelho
Porque hei-de querer respostas se o batom está sujo?
Tom Waits, o rouco, encostado a um poste, o bêbedo
Que animal serias tu na tua Disneylândia à noite?
Ou com quem nos teus sonhos húmidos
Te faz desfazer as células passo a passo?
Virá o carnaval mais tarde o natal virá com outras crianças
Cresce a barba aparada do nosso deus na cruz
No politicamente correcto do nosso ingénuo Cristo
Em que parágrafo se lê a verdade se os nossos livros estão velhos?
Aplaudo o teu palco na minha plateia iluminada
Seria estranho pensar que me julgavas morto
Pois esta é apenas a vida por dentro e não a exposta aos olhos
Tonto me aproximo quando os teus olhos gritam
Zonzo me aproximo quando os teus lábios gritam
BÊBEDO BÊBEDO BÊBEDO
Encaro-te na tranquilidade de ser eu próprio
Bebi demasiado em ti
Para que agora tu queiras
Que eu te fale sóbrio
Claus Min (1974\1998)
sexta-feira, abril 23, 2004
Frase do dia: “Bêbedo dos teus olhos de amêndoa amarga”.
“O traído sempre diz: não deviam ter feito isto comigo e logo agora. Mas é agora mesmo, a hora da traição. E quem mais haveria de te trair além daquele que te jura fidelidade e ao teu lado vive? O viúvo desconsolado ao lado do cadáver da esposa, diz: tão cedo partiste meu amor. Mas o destino é que faz a hora, e toda a hora é hora para partir, para chegar, para nascer e morrer. Para amar e odiar. Para matar e criar. Ser traído amanhã, é viver mais um dia de ilusão. É melhor que a traição seja hoje para que a lealdade seja amanhã. O ódio deve ser vertido hoje para que amanhã o amor seja mais doce”.
“Vence-me.
Vence também os leões.
E a terra será tua“.
A wu dlhawi kule, u dlhawa kola, xivanza nyongueni: o que te mata não está longe, está aqui, perto de ti (só te trai em quem confias).
Paulina Chiziane, O Sétimo Juramento
“Cansei-me do politicamente correcto dilacero os olhos em frente ao espelho vendo passar os anos também tu assim os vês passar sem saber sem querer pensar que eles então já começaram a destruir um rosto belo e fútil mas toda esta época não é diferente das outras ainda procuramos no olhar dos outros o rouge pálido do nosso vício ainda procuramos o desespero nos outros sobre a apatia de nós próprios volto para casa como quem volta para um casulo como quem volta de borboleta a lagarta como quem regressa como Cristo regressando dos mortos por cima de todas as águas que passam de todos os rios que correm de toda a loucura descoberta renascida e aberta como uma ferida na jugular encontro-me diante do espelho a fazer a barba para o dia seguinte encontro-me diante da porta atravessando o passado também ela a barba crescerá outra vez também eles crescerão outra vez agora são crianças brincam com bonecos os seus dedos para um dia os enforcarem com as suas garras”.
RMM
“O traído sempre diz: não deviam ter feito isto comigo e logo agora. Mas é agora mesmo, a hora da traição. E quem mais haveria de te trair além daquele que te jura fidelidade e ao teu lado vive? O viúvo desconsolado ao lado do cadáver da esposa, diz: tão cedo partiste meu amor. Mas o destino é que faz a hora, e toda a hora é hora para partir, para chegar, para nascer e morrer. Para amar e odiar. Para matar e criar. Ser traído amanhã, é viver mais um dia de ilusão. É melhor que a traição seja hoje para que a lealdade seja amanhã. O ódio deve ser vertido hoje para que amanhã o amor seja mais doce”.
“Vence-me.
Vence também os leões.
E a terra será tua“.
A wu dlhawi kule, u dlhawa kola, xivanza nyongueni: o que te mata não está longe, está aqui, perto de ti (só te trai em quem confias).
Paulina Chiziane, O Sétimo Juramento
“Cansei-me do politicamente correcto dilacero os olhos em frente ao espelho vendo passar os anos também tu assim os vês passar sem saber sem querer pensar que eles então já começaram a destruir um rosto belo e fútil mas toda esta época não é diferente das outras ainda procuramos no olhar dos outros o rouge pálido do nosso vício ainda procuramos o desespero nos outros sobre a apatia de nós próprios volto para casa como quem volta para um casulo como quem volta de borboleta a lagarta como quem regressa como Cristo regressando dos mortos por cima de todas as águas que passam de todos os rios que correm de toda a loucura descoberta renascida e aberta como uma ferida na jugular encontro-me diante do espelho a fazer a barba para o dia seguinte encontro-me diante da porta atravessando o passado também ela a barba crescerá outra vez também eles crescerão outra vez agora são crianças brincam com bonecos os seus dedos para um dia os enforcarem com as suas garras”.
RMM
quinta-feira, abril 22, 2004
Frase do dia: “Porque hoje uma só não basta”.
“Noite de Absurdo Noite de Estranho Noite de Vago para além do sonho daquele que não dorme procurando as setas no coração dos envenenados cães que bebiam junto ao rio tornou-se perplexo e tudo volta a transformar-se em sombras que iluminam o cadáver dançante do existir longe de ti para sempre e nunca mais Noite de Absurdo Noite de Estranho Noite de Vago os dilemas que terminam nas mãos que não se tocarão outra vez o limbo gera a luz a criança os seus passos perdidos transformam-se ao passar pelo túnel deste existir Noite de Absurdo Noite de Estranho Noite de Vago para além do sonho daquele que não dorme disparando as setas ao coração dos envenenados cães que uivavam junto à ponte de madeira tornou-se perplexo e tudo volta a permanecer nas sombras que apagam o cadáver cantante do viver longe de ti para sempre e nunca mais”.
RMM
“Noite de Absurdo Noite de Estranho Noite de Vago para além do sonho daquele que não dorme procurando as setas no coração dos envenenados cães que bebiam junto ao rio tornou-se perplexo e tudo volta a transformar-se em sombras que iluminam o cadáver dançante do existir longe de ti para sempre e nunca mais Noite de Absurdo Noite de Estranho Noite de Vago os dilemas que terminam nas mãos que não se tocarão outra vez o limbo gera a luz a criança os seus passos perdidos transformam-se ao passar pelo túnel deste existir Noite de Absurdo Noite de Estranho Noite de Vago para além do sonho daquele que não dorme disparando as setas ao coração dos envenenados cães que uivavam junto à ponte de madeira tornou-se perplexo e tudo volta a permanecer nas sombras que apagam o cadáver cantante do viver longe de ti para sempre e nunca mais”.
RMM
Frase do dia: “Vê lá se a corda não enforca quem dela quer fazer um baloiço”.
“É o silêncio que determina o ruído o nível de caos é demasiado alto a desordem não se encontra na ordem simples da complexidade fora dos jogos de palavras sobre o dia de hoje mau começo o levantar tarde o almoço sem fome ainda antes o café o desespero com a falta de cabelo bem pior do que a falta de ideias ou de cérebro a divagação sobre o cenário político os pedófilos os culpados a inocência perde-se nos primeiros anos esquecemo-nos sobre o dia de hoje o cemitério o ossário a lápide que falta para o túmulo da avó as voltas de carro e o café creio eu creio eu um flirt passageiro adiando de dia para dia a nudez dos corpos as tretas do dia a dia uma imagem passageira e longe um pássaro morto onde estão as asas não importa não importa a ideia para uma história o que é que isso interessa o que é que isso interessa o que é que isso interessa uma velha lembrança de anos atrás quando ela disse junto à linha de metro sobre a tua pergunta se ela pensava saltar se ela pensava saltar ela deu o sim como resposta o sim como resposta os seus pensamentos tão longe e tão perto a tua cabeça atolada em drogas atolada em drogas os seus cabelos curtos a sua pele branca pálida anémica mas como um sol como uma lua como um sol lunar como uma lua a arder e tu cá na terra se ela queria saltar se ela queria saltar e tu riste e tu riste agarraste-a pelos ombros e fizeste-a sacudir como uma folha branca e pura para o imaginário do herói que não eras anos e anos atrás uma lembrança simples e ausente do dia de hoje por que é não disseste que se ela saltasse tu saltarias atrás por que é que não disseste que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse”.
RMM
Pó cheira a raio de sol,
mel bravo à liberdade,
boca de moça à violeta,
e o ouro não cheira a nada.
A reseda cheira à água,
amor à maçã rescende,
mas agora já sabemos-
só o sangue cheira a sangue...
Em vão o pretor romano
se lavava as palmas grossas
sob os gritos da plebe.
E a rainha da Escócia
debalde raspava as gotas
vermelhas da mão esguia
na penumbra sufocante
da real moradia.
Anna Akhmátova
“É o silêncio que determina o ruído o nível de caos é demasiado alto a desordem não se encontra na ordem simples da complexidade fora dos jogos de palavras sobre o dia de hoje mau começo o levantar tarde o almoço sem fome ainda antes o café o desespero com a falta de cabelo bem pior do que a falta de ideias ou de cérebro a divagação sobre o cenário político os pedófilos os culpados a inocência perde-se nos primeiros anos esquecemo-nos sobre o dia de hoje o cemitério o ossário a lápide que falta para o túmulo da avó as voltas de carro e o café creio eu creio eu um flirt passageiro adiando de dia para dia a nudez dos corpos as tretas do dia a dia uma imagem passageira e longe um pássaro morto onde estão as asas não importa não importa a ideia para uma história o que é que isso interessa o que é que isso interessa o que é que isso interessa uma velha lembrança de anos atrás quando ela disse junto à linha de metro sobre a tua pergunta se ela pensava saltar se ela pensava saltar ela deu o sim como resposta o sim como resposta os seus pensamentos tão longe e tão perto a tua cabeça atolada em drogas atolada em drogas os seus cabelos curtos a sua pele branca pálida anémica mas como um sol como uma lua como um sol lunar como uma lua a arder e tu cá na terra se ela queria saltar se ela queria saltar e tu riste e tu riste agarraste-a pelos ombros e fizeste-a sacudir como uma folha branca e pura para o imaginário do herói que não eras anos e anos atrás uma lembrança simples e ausente do dia de hoje por que é não disseste que se ela saltasse tu saltarias atrás por que é que não disseste que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse tu saltarias atrás que se ela saltasse”.
RMM
Pó cheira a raio de sol,
mel bravo à liberdade,
boca de moça à violeta,
e o ouro não cheira a nada.
A reseda cheira à água,
amor à maçã rescende,
mas agora já sabemos-
só o sangue cheira a sangue...
Em vão o pretor romano
se lavava as palmas grossas
sob os gritos da plebe.
E a rainha da Escócia
debalde raspava as gotas
vermelhas da mão esguia
na penumbra sufocante
da real moradia.
Anna Akhmátova
terça-feira, abril 20, 2004
Frase do dia: A doença está de boa saúde e recomenda-se!”
Reflexos e reflexões incondicionais mas com condições
Morte Suspensa
Temos assistido, com uma postura quase novelística, aos sucessivos raptos de estrangeiros no conflito iraquiano. Usamos aqui o termo conflito de uma maneira que, não deixando de ser manipuladora, traduz em si um erro de base. É óbvio que para todos os minimamente esclarecidos trata-se, sem sombra de qualquer dúvida, de uma guerra com cabeça tronco e membros pelos ares. Mas, pelos vistos, a básica comunicação social e a política de massacre da máquina de guerra ocidental prefere continuar a chamar à mesma guerra conflito, com a mesma lógica de se chamar incidente a um assassinato.
Mas, não nos perdendo mais neste enorme parêntesis da invisibilidade da palavra manipulada, temos assistido, no caso dos reféns, a um autêntico baile de nervos em torno da suposta morte suspensa. As pessoas parecem mais sensibilizadas em torno do que vai acontecer ou não, numa espécie de folhetim que se arrasta e arrasta cheio de suposições e negociações em torno do que parece inegociável-a retirada do Iraque de todos os opressores estrangeiros. Mas não, parece que até os mesmos raptores seguem uma óptica novelesca deixando a morte anunciada para um episódio seguinte. Não deixa de ser curioso eles utilizarem uma certa lógica selectiva em torno dos que vão ser, ou não, eliminados-não foi à toa que pouparam (para contar a história e, talvez, tornar-se mundialmente famoso) um jornalista francês e eliminaram um segurança italiano. Parecem seguir um padrão de comportamento específico, o que não deixa de ser curioso. Esta mesma lógica não é aplicada, em nenhuma condição, no caso das potências invasoras e lacaios que os seguem. Para eles a única lógica é apenas a eliminação do inimigo, do outro, do iraquiano-o que também não deixa de ser curioso, porque tornou-se particularmente visível que, tirando meia dúzia de interesseiros, acabam por não ter ninguém do seu lado. Talvez queiram reinar sobre os cadáveres, não sei. Criaram um fosso de estupidez em que o único sentido parece ser apenas o da eliminação contínua de todos aqueles que resistem e que recusam ter de fazer o papel de novos cães amestrados da democracia das granadas e da carne para fazer hamburgers-que tenta reduzir todos os povos (principalmente os não ocidentais) a um modelo específico facilmente reconhecido. Este mesmo modelo não busca a igualdade entre os povos, busca, antes de tudo, uma conversão a um sistema que sobrevive, única e apenas, na manutenção e no cavar do fosso cheio de cadáveres dos dominados, sob a sombra da pá ferrugenta daqueles que dominam.
Mas, pelos vistos. esta mesma guerra parece estar a dar um volte face. A mentalidade racista e eurocêntrica do espectador médio consegue dormir de sono tranquilo com as imagens de iraquianos mortos e sujeitos a tratamentos abjectos por parte dos soldados de Bush e dos seus lacaios-mesmo que sejam crianças a postura é pouco mais que um encolher de ombros impotente. No caso dos reféns isso não acontece, mesmo que quase nenhum tenha sido abatido, consegue causar nas pessoas um agudo sentimento de desconforto perante a iminência da morte. Da morte ocidental. Da morte branca. Da “nossa” morte.
Se era culpada a criança iraquiana que brincava na rua por que é seria inocente o funcionário italiano que lá trabalhava?
Se é apenas um jogo as regras têm de ser iguais. E este é apenas o jogo da morte suspensa e do peso e da responsabilidade que cada país tem pela vida de cada um dos seus cidadãos. É óbvio que todos os governos assassinos representados no Iraque preferiam mil vezes que cada um daqueles homens e mulheres tivesse sido abatido à queima roupa. Mas não, isso seria demasiado fácil e faz com que tenham de provar do seu próprio veneno-no fundo, os raptores fazem o mesmo que os estrangeiros fizeram quando exibiram as patéticas imagens do patético Hussein na televisão. A isto se chama combater o inimigo com as suas próprias armas e a guerrilha iraquiana parece ter aprendido bem a lição. Porque mais do que pela contagem de cadáveres as guerras ganham-se, principalmente, pelo jogo psicológico. E nisso a resistência iraquiana está a vencer. Obrigando os grandes senhores da guerra a negociarem acabam por dar uma grande lição àqueles que não o souberam nem o procuraram fazer. No caso destes últimos, mesmo que não o façam, são obrigados a fingir que o estão a fazer, provocando na cabeça dos carneiros que os elegeram a imagem de fraqueza e de perde de controle perante uma situação que nunca o teve.
Sendo assim, cada um de nós vai aguardando pelos próximos episódios, aguardando pelo novo desenlace em torno da morte suspensa.
Tempo de um poema...
Amor Para Dar
Um cavalheiro, sério, honesto, gostaria de encontrar
Tenho 54 anos e sozinha não gostaria de ficar
Sem vício de tabaco é o homem que gostaria
Sou mulher séria e honesta, com amor para dar 24 horas por dia.
Anónima
Sim senhor! País de poetas! É de gente e poetas assim que este charco precisa! Gente que acredita! Gente que não desiste! Nunca!
Reflexos e reflexões incondicionais mas com condições
Morte Suspensa
Temos assistido, com uma postura quase novelística, aos sucessivos raptos de estrangeiros no conflito iraquiano. Usamos aqui o termo conflito de uma maneira que, não deixando de ser manipuladora, traduz em si um erro de base. É óbvio que para todos os minimamente esclarecidos trata-se, sem sombra de qualquer dúvida, de uma guerra com cabeça tronco e membros pelos ares. Mas, pelos vistos, a básica comunicação social e a política de massacre da máquina de guerra ocidental prefere continuar a chamar à mesma guerra conflito, com a mesma lógica de se chamar incidente a um assassinato.
Mas, não nos perdendo mais neste enorme parêntesis da invisibilidade da palavra manipulada, temos assistido, no caso dos reféns, a um autêntico baile de nervos em torno da suposta morte suspensa. As pessoas parecem mais sensibilizadas em torno do que vai acontecer ou não, numa espécie de folhetim que se arrasta e arrasta cheio de suposições e negociações em torno do que parece inegociável-a retirada do Iraque de todos os opressores estrangeiros. Mas não, parece que até os mesmos raptores seguem uma óptica novelesca deixando a morte anunciada para um episódio seguinte. Não deixa de ser curioso eles utilizarem uma certa lógica selectiva em torno dos que vão ser, ou não, eliminados-não foi à toa que pouparam (para contar a história e, talvez, tornar-se mundialmente famoso) um jornalista francês e eliminaram um segurança italiano. Parecem seguir um padrão de comportamento específico, o que não deixa de ser curioso. Esta mesma lógica não é aplicada, em nenhuma condição, no caso das potências invasoras e lacaios que os seguem. Para eles a única lógica é apenas a eliminação do inimigo, do outro, do iraquiano-o que também não deixa de ser curioso, porque tornou-se particularmente visível que, tirando meia dúzia de interesseiros, acabam por não ter ninguém do seu lado. Talvez queiram reinar sobre os cadáveres, não sei. Criaram um fosso de estupidez em que o único sentido parece ser apenas o da eliminação contínua de todos aqueles que resistem e que recusam ter de fazer o papel de novos cães amestrados da democracia das granadas e da carne para fazer hamburgers-que tenta reduzir todos os povos (principalmente os não ocidentais) a um modelo específico facilmente reconhecido. Este mesmo modelo não busca a igualdade entre os povos, busca, antes de tudo, uma conversão a um sistema que sobrevive, única e apenas, na manutenção e no cavar do fosso cheio de cadáveres dos dominados, sob a sombra da pá ferrugenta daqueles que dominam.
Mas, pelos vistos. esta mesma guerra parece estar a dar um volte face. A mentalidade racista e eurocêntrica do espectador médio consegue dormir de sono tranquilo com as imagens de iraquianos mortos e sujeitos a tratamentos abjectos por parte dos soldados de Bush e dos seus lacaios-mesmo que sejam crianças a postura é pouco mais que um encolher de ombros impotente. No caso dos reféns isso não acontece, mesmo que quase nenhum tenha sido abatido, consegue causar nas pessoas um agudo sentimento de desconforto perante a iminência da morte. Da morte ocidental. Da morte branca. Da “nossa” morte.
Se era culpada a criança iraquiana que brincava na rua por que é seria inocente o funcionário italiano que lá trabalhava?
Se é apenas um jogo as regras têm de ser iguais. E este é apenas o jogo da morte suspensa e do peso e da responsabilidade que cada país tem pela vida de cada um dos seus cidadãos. É óbvio que todos os governos assassinos representados no Iraque preferiam mil vezes que cada um daqueles homens e mulheres tivesse sido abatido à queima roupa. Mas não, isso seria demasiado fácil e faz com que tenham de provar do seu próprio veneno-no fundo, os raptores fazem o mesmo que os estrangeiros fizeram quando exibiram as patéticas imagens do patético Hussein na televisão. A isto se chama combater o inimigo com as suas próprias armas e a guerrilha iraquiana parece ter aprendido bem a lição. Porque mais do que pela contagem de cadáveres as guerras ganham-se, principalmente, pelo jogo psicológico. E nisso a resistência iraquiana está a vencer. Obrigando os grandes senhores da guerra a negociarem acabam por dar uma grande lição àqueles que não o souberam nem o procuraram fazer. No caso destes últimos, mesmo que não o façam, são obrigados a fingir que o estão a fazer, provocando na cabeça dos carneiros que os elegeram a imagem de fraqueza e de perde de controle perante uma situação que nunca o teve.
Sendo assim, cada um de nós vai aguardando pelos próximos episódios, aguardando pelo novo desenlace em torno da morte suspensa.
Tempo de um poema...
Amor Para Dar
Um cavalheiro, sério, honesto, gostaria de encontrar
Tenho 54 anos e sozinha não gostaria de ficar
Sem vício de tabaco é o homem que gostaria
Sou mulher séria e honesta, com amor para dar 24 horas por dia.
Anónima
Sim senhor! País de poetas! É de gente e poetas assim que este charco precisa! Gente que acredita! Gente que não desiste! Nunca!
sexta-feira, abril 16, 2004
Frase do dia: “Amarras o barco que naufragou!?”
POSTULADOS E MODUS OPERANDI, ou a mesma coisa do que se pretende quando se pretende estar a lutar
Vivemos num mundo em que o marketing venceu. A principal política de orientação desse mesmo marketing é a chamada estratégia virada para o consumidor. Essa mesma estratégia baseia-se na definição de um perfil tipo de alvo de consumo que pode ser aplicado a cada um de nós. Esse modelo baseia-se na lógica pseudo politicamente correcta de que cada indivíduo é um ser único e que possui perfis específicos de comportamento e obediência que têm de ser satisfeitos. Para isso alimenta o mesmo jogo de caça ao rato, perseguindo esse mesmo alvo através dos diversos labirintos de orientação e desorientação humana. A internet é o mais fiel dos exemplos, mas está longe de ser o único.
O que se assiste cada vez mais é a consequente penetração, súbita e subliminar, dessa mesma lógica mercantilista no campo das relações humanas. As pessoas não questionam o âmago da interacção da vivência em conjunto, alimentam a mesma política egocêntrica das suas vidas privadas sentindo que, elas sim, realmente são diferentes. Mas é falso e redundante. O Narciso adormecido desperta da sua consciência sentindo que o espelho para onde olha o seu umbigo repelente é o único. Não se trata de, propriamente, questionar a distorção da imagem na qual ele se revê-porque entre a imagem e a carne e osso as diferenças esbatem-se- esquece-se, isso sim, como se alguma vez existisse lembrança, de que a única imagem que lá está espelhada é aquela que a sociedade constrói. Desta maneira, até mesmo a própria carne é moldada, transfigurando-se e transmudando-se para uma espécie de fóssil em vida.
Da mesma maneira que o marketing e a publicidade atingem o público tipo, mesmo que segmentado em classe e em género, o mesmo indivíduo mercantilizado-ou indivíduo enquanto mercadoria-sente que as suas escolhas pessoais, na sua vida pseudoprivada, são realmente as suas. Da mesma maneira, ao considerar-se um ser único, sente que a sua justificação pode ser apresentada em relação aos outros como se eles fossem uma qualquer espécie de objectos. Desta maneira o próprio campo dos afectos pode ser colocado em causa: Esta é a vida que eu escolhi! Esta é a minha cerveja! Este é o meu grupo! Esta é a mulher da minha vida! Este é o carro da minha vida! Este é o meu amigo! Exige-se fidelidade e obediência a uma pessoa da mesma maneira que se exige que um electrodoméstico esteja dentro da garantia. Este é o meu, esta é a minha... Mas não. A não ser que as pessoas tenham realmente dono.
E é verdade. Elas têm.
Questão: Num mundo em que os direitos de cidadania (que já são uma treta) são ultrapassados pelos direitos do consumo, qual a diferença entre pessoas e objectos?
Nenhuma, é claro. Sempre foi assim, mas a tendência é mesmo a gradual transformação da carne em plástico.
As pessoas questionam a existência de deus mas não questionam se elas próprias existem. Mas tanto deus como as pessoas são reais. Ambos existem segundo determinadas regras e padrões sociais que se aliam a indicadores-memória, registos, taxa de natalidade e mortalidade, livros velhos e novos, consciência do que é o Humano, consciência do que é a fé, etc.
Despidos desses mesmos pressupostos, o mais provável é que mesmo nada existisse. Pelo menos da maneira que julgamos conhecer. Até mesmo esse mesmo Nada.
As pessoas não valorizam as que gostam delas porque pensam que têm esse mesmo gostar como garantido. Aqui também se pode ler a mesma lógica mercantilista: da mesma maneira que tenho de lutar por um emprego ou por uma nota numa universidade, a pessoa que eu tiver também será algo pelo qual terei lutado.
Mas a verdade é que não é bem por isso. A maior parte das pessoas tem é uma grande dificuldade em amar. Porque nunca se sentiram amadas. Dessa maneira, mesmo sendo o amor outro conceito, é apenas uma grande e real incapacidade de lidar com os afectos. Por isso baralham-se. Não é à toa que há cada vez mais divórcios do que casamentos e, felizmente, “cornos” é apenas uma metáfora, porque senão andava aí muito boa gente “engalhada”.
Há quem diga que o maior problema pessoal é a falta de sexo. Mas não será bem assim. O maior problema das pessoas é quase sempre a solidão. Principalmente porque essa é uma solidão partilhada.
Há quem diga que o tal voto em branco é polémico. Torna-se patético assistir à estupidez em que nós estamos. O questionar de um sistema não se baseia se o voto é este ou aquele. Também não se baseia em nenhuma questão.
E como não se baseia em nenhuma questão, não existe, sequer, nenhum voto. Nem mesmo enquanto palavra.
Ainda hoje e sempre: Sempre que olho para um homem imagino sempre o seu cadáver.
Tempo de um poema...
In 3 or for (4) days (plagiatto brevis)
Na lista de nomes auto-rendidos a ácido
Enxofre, benzina, sulfatos vários
Emissários vários, muitos
Nas listas diárias auto-geridas de nomes
Comuns e impróprios
Concretos e armados
Nas várias listas de convidados
Célebres, elites
e autistas (muitos)
na lista de artérias
aortas e carótidas
azuis a perder de vista no branco (a ponto de não diluir mais o céu no inferno)
na lista de exumações entre o positivo e o negativo
entre as intersecções e os cruzamentos e os longos
circuitos (esses) entre os pulsos e as mangas
na lista de datas e moradas e dias e nomes auto-movidos
na lista
estática
agora ou nunca.
Cláudia Pinto
POSTULADOS E MODUS OPERANDI, ou a mesma coisa do que se pretende quando se pretende estar a lutar
Vivemos num mundo em que o marketing venceu. A principal política de orientação desse mesmo marketing é a chamada estratégia virada para o consumidor. Essa mesma estratégia baseia-se na definição de um perfil tipo de alvo de consumo que pode ser aplicado a cada um de nós. Esse modelo baseia-se na lógica pseudo politicamente correcta de que cada indivíduo é um ser único e que possui perfis específicos de comportamento e obediência que têm de ser satisfeitos. Para isso alimenta o mesmo jogo de caça ao rato, perseguindo esse mesmo alvo através dos diversos labirintos de orientação e desorientação humana. A internet é o mais fiel dos exemplos, mas está longe de ser o único.
O que se assiste cada vez mais é a consequente penetração, súbita e subliminar, dessa mesma lógica mercantilista no campo das relações humanas. As pessoas não questionam o âmago da interacção da vivência em conjunto, alimentam a mesma política egocêntrica das suas vidas privadas sentindo que, elas sim, realmente são diferentes. Mas é falso e redundante. O Narciso adormecido desperta da sua consciência sentindo que o espelho para onde olha o seu umbigo repelente é o único. Não se trata de, propriamente, questionar a distorção da imagem na qual ele se revê-porque entre a imagem e a carne e osso as diferenças esbatem-se- esquece-se, isso sim, como se alguma vez existisse lembrança, de que a única imagem que lá está espelhada é aquela que a sociedade constrói. Desta maneira, até mesmo a própria carne é moldada, transfigurando-se e transmudando-se para uma espécie de fóssil em vida.
Da mesma maneira que o marketing e a publicidade atingem o público tipo, mesmo que segmentado em classe e em género, o mesmo indivíduo mercantilizado-ou indivíduo enquanto mercadoria-sente que as suas escolhas pessoais, na sua vida pseudoprivada, são realmente as suas. Da mesma maneira, ao considerar-se um ser único, sente que a sua justificação pode ser apresentada em relação aos outros como se eles fossem uma qualquer espécie de objectos. Desta maneira o próprio campo dos afectos pode ser colocado em causa: Esta é a vida que eu escolhi! Esta é a minha cerveja! Este é o meu grupo! Esta é a mulher da minha vida! Este é o carro da minha vida! Este é o meu amigo! Exige-se fidelidade e obediência a uma pessoa da mesma maneira que se exige que um electrodoméstico esteja dentro da garantia. Este é o meu, esta é a minha... Mas não. A não ser que as pessoas tenham realmente dono.
E é verdade. Elas têm.
Questão: Num mundo em que os direitos de cidadania (que já são uma treta) são ultrapassados pelos direitos do consumo, qual a diferença entre pessoas e objectos?
Nenhuma, é claro. Sempre foi assim, mas a tendência é mesmo a gradual transformação da carne em plástico.
As pessoas questionam a existência de deus mas não questionam se elas próprias existem. Mas tanto deus como as pessoas são reais. Ambos existem segundo determinadas regras e padrões sociais que se aliam a indicadores-memória, registos, taxa de natalidade e mortalidade, livros velhos e novos, consciência do que é o Humano, consciência do que é a fé, etc.
Despidos desses mesmos pressupostos, o mais provável é que mesmo nada existisse. Pelo menos da maneira que julgamos conhecer. Até mesmo esse mesmo Nada.
As pessoas não valorizam as que gostam delas porque pensam que têm esse mesmo gostar como garantido. Aqui também se pode ler a mesma lógica mercantilista: da mesma maneira que tenho de lutar por um emprego ou por uma nota numa universidade, a pessoa que eu tiver também será algo pelo qual terei lutado.
Mas a verdade é que não é bem por isso. A maior parte das pessoas tem é uma grande dificuldade em amar. Porque nunca se sentiram amadas. Dessa maneira, mesmo sendo o amor outro conceito, é apenas uma grande e real incapacidade de lidar com os afectos. Por isso baralham-se. Não é à toa que há cada vez mais divórcios do que casamentos e, felizmente, “cornos” é apenas uma metáfora, porque senão andava aí muito boa gente “engalhada”.
Há quem diga que o maior problema pessoal é a falta de sexo. Mas não será bem assim. O maior problema das pessoas é quase sempre a solidão. Principalmente porque essa é uma solidão partilhada.
Há quem diga que o tal voto em branco é polémico. Torna-se patético assistir à estupidez em que nós estamos. O questionar de um sistema não se baseia se o voto é este ou aquele. Também não se baseia em nenhuma questão.
E como não se baseia em nenhuma questão, não existe, sequer, nenhum voto. Nem mesmo enquanto palavra.
Ainda hoje e sempre: Sempre que olho para um homem imagino sempre o seu cadáver.
Tempo de um poema...
In 3 or for (4) days (plagiatto brevis)
Na lista de nomes auto-rendidos a ácido
Enxofre, benzina, sulfatos vários
Emissários vários, muitos
Nas listas diárias auto-geridas de nomes
Comuns e impróprios
Concretos e armados
Nas várias listas de convidados
Célebres, elites
e autistas (muitos)
na lista de artérias
aortas e carótidas
azuis a perder de vista no branco (a ponto de não diluir mais o céu no inferno)
na lista de exumações entre o positivo e o negativo
entre as intersecções e os cruzamentos e os longos
circuitos (esses) entre os pulsos e as mangas
na lista de datas e moradas e dias e nomes auto-movidos
na lista
estática
agora ou nunca.
Cláudia Pinto
quinta-feira, abril 15, 2004
Frase do dia: “Em qual das versões é que pensas que escaparás impune?”.
A CONVERSA QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DOS QUE PENSAM QUE A HISTÓRIA ACABOU, e foi gravada descaradamente sem tu saberes quando disseste que eu era uma pessoa em quem podias confiar, tss, tss
- Então, o que tens feito, fala-me dos teus dias...
- Ok, o de hoje, ensaio da banda. JL, ao que parece, deu o fora, esperto foi ele. Depois telefonou a N.
- E então? Sempre foste com ela ao concerto?
- Sim, depois estivemos a falar numa pastelaria em Santa Clara. Esteve a expor-me os seus projectos, numa de eu poder colaborar num deles, parecia mesmo interessada...
- Não achas isso algo estranho? Ela telefona-te muitas vezes.
- Sim, começo a ficar desconfiado. Certas cenas que ela me foi dizendo também apontam um bocado para certos aspectos.
- O que achas?
- Não sei nem quero achar muito. É um jogo inquinado que se vai arrastando, brincando com as suposições. A loucura ou o afastamento podem resolver as coisas para um lado ou para o outro. Se é suposto as coisas ficarem resolvidas.
- Sim, comigo é parecido. O meu relacionamento com a C, pensava que ia avançar, mas nada, mesmo nada. Não nos vemos e só comunicamos pelo messenger, tornou-se um caso inquinado e vivido entre teclas...
- Sexta lá fui ao Tropical, B, J, A, não dormi nada e acordei bêbedo. Sábado também lá estive, C, V, naquela, acordei tarde sem me lembrar se tinha bebido muito ou pouco. E tu? Também lá estavas...
- Sim, algo que não é muito habitual. Recebi um telefonema da C, para aparecer na Sé Velha, mas fiz-me esquecido. Também não me apetecia ficar em casa e lá fui até ao Tropical, até às grandes mesas...
- Sim, onde se finge estar acompanhado estando, na realidade, sozinho. Mas tu parecias estar animado...
- Nada. Apenas deixei-me estar, entre super e super, os rostos e as caras que se vão encontrando, que se vão conhecendo, sempre na mesma toada morna. Pouco desenvolvimento.
- Sim, vejo que isso chateia-te. A mim, um pouco. Não sei, apenas a vida normal. Para procurar ou para encontrar as coisas que quero, infelizmente, terá de ser nesses meios. Terá de ser entre as pessoas e com as pessoas.
- Bem, espero que não te estejas a candidatar a nada... com esse discurso... Também foste ao Pitch?
- A mesma coisa. Disse, no fim, ao senhor R: estás à espera da C? É que ainda lhe falta acabar o pack de vodka! Ainda vai na sexta!!! Ah! Ah! Ah!
- E o tipo?
- Levou a mal! O triste! Também que se foda! Saí logo depois sem dizer água vai água vem.
- E mais? Andavas a controlar alguém?
- Nada, estava lá uma tipa, loira, traseiro redondo, ousou encarar-me...
- E então? Avançaste?
- Não, comecei a olhar para ela intensamente e ela não aguentou. Depois disso, o resto da noite ficou meio confuso, não me lembro bem do que fiz, mas acho que não dancei muito. Falei com uns quantos de cromos que conheci recentemente. Sinto uma certa maturidade em mim e acho que as pessoas começam a reparar nisso.
- Achas mesmo? Não sei...
- Acho sim! Não obstante toda a merda e atrofios dos últimos tempos, o cabrão do director ter-me dito para eu acordar, tudo isso, quero lá saber... Não obstante, mais uma vez não obstante, acho que toda esta interacção forçada também faz com que eu comece a ganhar mais traquejo e as pessoas notam que eu estou melhor, acho eu, pelo menos sinto-me bem, não sei, acho que estou melhor, é capaz.
- Pois. E mais?
- Sábado à tarde a CJ veio-me convidar para ir a uma exposição. Levou um não redondo.
- Porquê?!
- Pois, eu tinha acabado de chegar e queria tomar café. Se não fosse pelas companhias merdosas com quem sai, cambada de tansos, bem que ela levava uns bons amassos. E daí não se sabe, pelo andar desta carruagem não se sabe mesmo nada.
- Olha, o puto T disse que tu estavas bem conservado... para a idade.
- Mas que idade pensa ele que eu tenho afinal!!?? Bem, acho que ainda não está na hora de ir para o museu... ou de ser arrumado na prateleira.
- Sim, mas olha que as tuas atitudes começam a afastar um bocado as pessoas... as gajas. Repara que a M já se começou a afastar, acho que está a andar com aquele tipo da rádio...
- Aquele palhaço!!?? Bem, ela também não me interessava para nada. Mas tem aquela amiga, sabes quem é, morena, um ar meio sério mas a cair para o ordinário, tu sabes, já te vi a falar com ela. Pena é quase não aparecer. Essa bem que levava uma boa foda!
- !!!?? Espero que não estejas a falar da minha prima...
Tempo de um poema...
POEMA
No tempo em que os suicidas falavam
Amar-te teria consequências.
Mas teria?
Ou nem uma última ruga
Viria alterar a face das coisas
Dispô-las pela primeira vez a meu favor?
(Uma ruga que me deixasse para sempre limpo
Para sempre autêntico
E que imediatamente me recompensasse
Do acto por excelência cabotino
De desaparecer a deixar rasto
De desaparecer em contracção, em convulsão de teatro.)
Alexandre O´Neill
A CONVERSA QUE SE SEGUE É DA i RESPONSABILIDADE DOS QUE PENSAM QUE A HISTÓRIA ACABOU, e foi gravada descaradamente sem tu saberes quando disseste que eu era uma pessoa em quem podias confiar, tss, tss
- Então, o que tens feito, fala-me dos teus dias...
- Ok, o de hoje, ensaio da banda. JL, ao que parece, deu o fora, esperto foi ele. Depois telefonou a N.
- E então? Sempre foste com ela ao concerto?
- Sim, depois estivemos a falar numa pastelaria em Santa Clara. Esteve a expor-me os seus projectos, numa de eu poder colaborar num deles, parecia mesmo interessada...
- Não achas isso algo estranho? Ela telefona-te muitas vezes.
- Sim, começo a ficar desconfiado. Certas cenas que ela me foi dizendo também apontam um bocado para certos aspectos.
- O que achas?
- Não sei nem quero achar muito. É um jogo inquinado que se vai arrastando, brincando com as suposições. A loucura ou o afastamento podem resolver as coisas para um lado ou para o outro. Se é suposto as coisas ficarem resolvidas.
- Sim, comigo é parecido. O meu relacionamento com a C, pensava que ia avançar, mas nada, mesmo nada. Não nos vemos e só comunicamos pelo messenger, tornou-se um caso inquinado e vivido entre teclas...
- Sexta lá fui ao Tropical, B, J, A, não dormi nada e acordei bêbedo. Sábado também lá estive, C, V, naquela, acordei tarde sem me lembrar se tinha bebido muito ou pouco. E tu? Também lá estavas...
- Sim, algo que não é muito habitual. Recebi um telefonema da C, para aparecer na Sé Velha, mas fiz-me esquecido. Também não me apetecia ficar em casa e lá fui até ao Tropical, até às grandes mesas...
- Sim, onde se finge estar acompanhado estando, na realidade, sozinho. Mas tu parecias estar animado...
- Nada. Apenas deixei-me estar, entre super e super, os rostos e as caras que se vão encontrando, que se vão conhecendo, sempre na mesma toada morna. Pouco desenvolvimento.
- Sim, vejo que isso chateia-te. A mim, um pouco. Não sei, apenas a vida normal. Para procurar ou para encontrar as coisas que quero, infelizmente, terá de ser nesses meios. Terá de ser entre as pessoas e com as pessoas.
- Bem, espero que não te estejas a candidatar a nada... com esse discurso... Também foste ao Pitch?
- A mesma coisa. Disse, no fim, ao senhor R: estás à espera da C? É que ainda lhe falta acabar o pack de vodka! Ainda vai na sexta!!! Ah! Ah! Ah!
- E o tipo?
- Levou a mal! O triste! Também que se foda! Saí logo depois sem dizer água vai água vem.
- E mais? Andavas a controlar alguém?
- Nada, estava lá uma tipa, loira, traseiro redondo, ousou encarar-me...
- E então? Avançaste?
- Não, comecei a olhar para ela intensamente e ela não aguentou. Depois disso, o resto da noite ficou meio confuso, não me lembro bem do que fiz, mas acho que não dancei muito. Falei com uns quantos de cromos que conheci recentemente. Sinto uma certa maturidade em mim e acho que as pessoas começam a reparar nisso.
- Achas mesmo? Não sei...
- Acho sim! Não obstante toda a merda e atrofios dos últimos tempos, o cabrão do director ter-me dito para eu acordar, tudo isso, quero lá saber... Não obstante, mais uma vez não obstante, acho que toda esta interacção forçada também faz com que eu comece a ganhar mais traquejo e as pessoas notam que eu estou melhor, acho eu, pelo menos sinto-me bem, não sei, acho que estou melhor, é capaz.
- Pois. E mais?
- Sábado à tarde a CJ veio-me convidar para ir a uma exposição. Levou um não redondo.
- Porquê?!
- Pois, eu tinha acabado de chegar e queria tomar café. Se não fosse pelas companhias merdosas com quem sai, cambada de tansos, bem que ela levava uns bons amassos. E daí não se sabe, pelo andar desta carruagem não se sabe mesmo nada.
- Olha, o puto T disse que tu estavas bem conservado... para a idade.
- Mas que idade pensa ele que eu tenho afinal!!?? Bem, acho que ainda não está na hora de ir para o museu... ou de ser arrumado na prateleira.
- Sim, mas olha que as tuas atitudes começam a afastar um bocado as pessoas... as gajas. Repara que a M já se começou a afastar, acho que está a andar com aquele tipo da rádio...
- Aquele palhaço!!?? Bem, ela também não me interessava para nada. Mas tem aquela amiga, sabes quem é, morena, um ar meio sério mas a cair para o ordinário, tu sabes, já te vi a falar com ela. Pena é quase não aparecer. Essa bem que levava uma boa foda!
- !!!?? Espero que não estejas a falar da minha prima...
Tempo de um poema...
POEMA
No tempo em que os suicidas falavam
Amar-te teria consequências.
Mas teria?
Ou nem uma última ruga
Viria alterar a face das coisas
Dispô-las pela primeira vez a meu favor?
(Uma ruga que me deixasse para sempre limpo
Para sempre autêntico
E que imediatamente me recompensasse
Do acto por excelência cabotino
De desaparecer a deixar rasto
De desaparecer em contracção, em convulsão de teatro.)
Alexandre O´Neill
sexta-feira, abril 09, 2004
Frase do dia: “Da pedra fica apenas o pó, do fogo as cinzas, da gaivota a pena, de deus a espada do anjo que cai, da infância o baloiço, dos beijos o sabor amargo, do mar a lembrança do amanhã, de tudo há sempre alguma coisa que fica, mas das palavras já não fica nada”.
“Ela partiu deixando três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel num gesto simples automático na casualidade das coisas simples ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel ele recolheu-os junto à janela e à chuva que manchava as páginas das suas histórias rocambolescas de outro desamor falhado ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel sobre a mesa perto do cinzeiro em que ele fumava mais outra perda da vida cómica os mesmo fins trágicos alheio a tudo alheio a nada ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel sobre a mesa e partiu num gesto seguro de uma vida feliz e simples os dois tão estranhos ele digerindo a dor das histórias que falham adivinhando finais enganando-se nas linhas ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel sobre a mesa sem saber que para ele seria apenas o poema para uma vida nova ela caminhou para fora do café esquecendo os três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel e quando ele a avisou ela disse são para ti”.
RMM
“Ela partiu deixando três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel num gesto simples automático na casualidade das coisas simples ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel ele recolheu-os junto à janela e à chuva que manchava as páginas das suas histórias rocambolescas de outro desamor falhado ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel sobre a mesa perto do cinzeiro em que ele fumava mais outra perda da vida cómica os mesmo fins trágicos alheio a tudo alheio a nada ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel sobre a mesa e partiu num gesto seguro de uma vida feliz e simples os dois tão estranhos ele digerindo a dor das histórias que falham adivinhando finais enganando-se nas linhas ela deixou três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel sobre a mesa sem saber que para ele seria apenas o poema para uma vida nova ela caminhou para fora do café esquecendo os três cubos de papel dobrados em seis três cubos de papel dobrados três cubos de papel e quando ele a avisou ela disse são para ti”.
RMM
sexta-feira, abril 02, 2004
Frase do dia: “Não sei se o peso está no corpo ou se nos olhos que o esmagam”.
M da máscara
Sobre a máscara em meu rosto
disseste-me um dia
podias ter deixado a outra
ao que te respondi
pois podia
mas esta tem mais a ver contigo
Luís F. Simões/Rascunho
M da máscara
Sobre a máscara em meu rosto
disseste-me um dia
podias ter deixado a outra
ao que te respondi
pois podia
mas esta tem mais a ver contigo
Luís F. Simões/Rascunho