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sexta-feira, abril 16, 2004

Frase do dia: “Amarras o barco que naufragou!?”



POSTULADOS E MODUS OPERANDI, ou a mesma coisa do que se pretende quando se pretende estar a lutar



Vivemos num mundo em que o marketing venceu. A principal política de orientação desse mesmo marketing é a chamada estratégia virada para o consumidor. Essa mesma estratégia baseia-se na definição de um perfil tipo de alvo de consumo que pode ser aplicado a cada um de nós. Esse modelo baseia-se na lógica pseudo politicamente correcta de que cada indivíduo é um ser único e que possui perfis específicos de comportamento e obediência que têm de ser satisfeitos. Para isso alimenta o mesmo jogo de caça ao rato, perseguindo esse mesmo alvo através dos diversos labirintos de orientação e desorientação humana. A internet é o mais fiel dos exemplos, mas está longe de ser o único.
O que se assiste cada vez mais é a consequente penetração, súbita e subliminar, dessa mesma lógica mercantilista no campo das relações humanas. As pessoas não questionam o âmago da interacção da vivência em conjunto, alimentam a mesma política egocêntrica das suas vidas privadas sentindo que, elas sim, realmente são diferentes. Mas é falso e redundante. O Narciso adormecido desperta da sua consciência sentindo que o espelho para onde olha o seu umbigo repelente é o único. Não se trata de, propriamente, questionar a distorção da imagem na qual ele se revê-porque entre a imagem e a carne e osso as diferenças esbatem-se- esquece-se, isso sim, como se alguma vez existisse lembrança, de que a única imagem que lá está espelhada é aquela que a sociedade constrói. Desta maneira, até mesmo a própria carne é moldada, transfigurando-se e transmudando-se para uma espécie de fóssil em vida.
Da mesma maneira que o marketing e a publicidade atingem o público tipo, mesmo que segmentado em classe e em género, o mesmo indivíduo mercantilizado-ou indivíduo enquanto mercadoria-sente que as suas escolhas pessoais, na sua vida pseudoprivada, são realmente as suas. Da mesma maneira, ao considerar-se um ser único, sente que a sua justificação pode ser apresentada em relação aos outros como se eles fossem uma qualquer espécie de objectos. Desta maneira o próprio campo dos afectos pode ser colocado em causa: Esta é a vida que eu escolhi! Esta é a minha cerveja! Este é o meu grupo! Esta é a mulher da minha vida! Este é o carro da minha vida! Este é o meu amigo! Exige-se fidelidade e obediência a uma pessoa da mesma maneira que se exige que um electrodoméstico esteja dentro da garantia. Este é o meu, esta é a minha... Mas não. A não ser que as pessoas tenham realmente dono.
E é verdade. Elas têm.
Questão: Num mundo em que os direitos de cidadania (que já são uma treta) são ultrapassados pelos direitos do consumo, qual a diferença entre pessoas e objectos?

Nenhuma, é claro. Sempre foi assim, mas a tendência é mesmo a gradual transformação da carne em plástico.



As pessoas questionam a existência de deus mas não questionam se elas próprias existem. Mas tanto deus como as pessoas são reais. Ambos existem segundo determinadas regras e padrões sociais que se aliam a indicadores-memória, registos, taxa de natalidade e mortalidade, livros velhos e novos, consciência do que é o Humano, consciência do que é a fé, etc.
Despidos desses mesmos pressupostos, o mais provável é que mesmo nada existisse. Pelo menos da maneira que julgamos conhecer. Até mesmo esse mesmo Nada.


As pessoas não valorizam as que gostam delas porque pensam que têm esse mesmo gostar como garantido. Aqui também se pode ler a mesma lógica mercantilista: da mesma maneira que tenho de lutar por um emprego ou por uma nota numa universidade, a pessoa que eu tiver também será algo pelo qual terei lutado.
Mas a verdade é que não é bem por isso. A maior parte das pessoas tem é uma grande dificuldade em amar. Porque nunca se sentiram amadas. Dessa maneira, mesmo sendo o amor outro conceito, é apenas uma grande e real incapacidade de lidar com os afectos. Por isso baralham-se. Não é à toa que há cada vez mais divórcios do que casamentos e, felizmente, “cornos” é apenas uma metáfora, porque senão andava aí muito boa gente “engalhada”.

Há quem diga que o maior problema pessoal é a falta de sexo. Mas não será bem assim. O maior problema das pessoas é quase sempre a solidão. Principalmente porque essa é uma solidão partilhada.



Há quem diga que o tal voto em branco é polémico. Torna-se patético assistir à estupidez em que nós estamos. O questionar de um sistema não se baseia se o voto é este ou aquele. Também não se baseia em nenhuma questão.
E como não se baseia em nenhuma questão, não existe, sequer, nenhum voto. Nem mesmo enquanto palavra.


Ainda hoje e sempre: Sempre que olho para um homem imagino sempre o seu cadáver.



Tempo de um poema...


In 3 or for (4) days (plagiatto brevis)


Na lista de nomes auto-rendidos a ácido
Enxofre, benzina, sulfatos vários
Emissários vários, muitos
Nas listas diárias auto-geridas de nomes
Comuns e impróprios
Concretos e armados
Nas várias listas de convidados
Célebres, elites
e autistas (muitos)

na lista de artérias
aortas e carótidas
azuis a perder de vista no branco (a ponto de não diluir mais o céu no inferno)
na lista de exumações entre o positivo e o negativo
entre as intersecções e os cruzamentos e os longos
circuitos (esses) entre os pulsos e as mangas
na lista de datas e moradas e dias e nomes auto-movidos

na lista
estática
agora ou nunca.



Cláudia Pinto




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