segunda-feira, março 22, 2004
Frase do dia: “Vamos trepar às nuvens!!”
22 de Maio de 1869
Senhor:
Recebi precisamente ontem a vossa carta datada de 21 de Maio; era vossa. Pois bem, confesso que, infelizmente, não posso perder este pretexto de vos apresentar as minhas desculpas. E eis porquê: porque se vós, aqui há dias, me tivésseis anunciado, na ignorância do que de aborrecido pode suceder nas circunstâncias em que a minha pessoa se vê, que os fundos estavam prestes a esgotar-se, eu ter-me-ia coibido de lhes tocar; e teria, decerto, sentido tanta alegria em não escrever aquelas três cartas, como vós em não as terdes lido. Resolvestes fazer vigorar o deplorável sistema de desconfiança vagamente prescrito pela bizarria de meu pai; mas também adivinhastes, e bem, que as minhas dores de cabeça me não impedem de medir com atenção a difícil situação em que até aqui vos tem colocado uma folha de papel de carta vinda da América do Sul, cujo principal defeito é a falta de clareza; pois não levo em linha de conta a inconveniência de certas observações melancólicas que facilmente se perdoam a um velhote e que, à primeira leitura, me pareceram ter o ar de vos impor, talvez para o futuro, a necessidade de sair do vosso estrito papel de banqueiro, perante um cavalheiro que vem morar para a capital...
... Desculpai, Senhor, tenho um pedido a fazer-vos: se o meu pai enviar outros fundos antes do dia 1 de Setembro, altura em que o meu corpo fará uma aparição diante da porta do vosso banco, podereis ter a bondade de me informar? De resto, estarei em casa a qualquer hora do dia; mas não tereis mais do que me enviar um simples cartão, que eu o receberei, segundo todas as probabilidades, ao mesmo tempo, por assim dizer, que a menina que me tocar à campainha, ou até antes, se estiver no vestíbulo...
... E tudo isto, repito-o, por uma bagatela insignificante de formalidade! Apresentar dez unhas de fome em vez de cinco, é uma bela partida: depois de muito ter pensado, confesso que ela me pareceu eivada de uma notável soma de importância nula...
Conde de Lautréamont
“Outra vez um domingo a mesma tarde carregada de ausências solitárias que dançam a valsa dos fantasmas lá fora os pássaros sapateiam sobre o abismo das vidas supostamente cheias a minha vida como um copo que se bebe a tua vida a vida dela que eu não conheço apenas sei que tem um cão grande e branco como um fantasma que ronda os delírios nos canis onde outros esperam pela certeza da morte mas hoje neste domingo e sempre sobrevive apenas a incerteza dos pássaros de não saber que abismo será então ela não obstante o cão demasiado bela demasiado longe como uma flor qualquer de certeza que não para a tua cabeça corrupta poluída de cancelas velhas e de diabos novos de cancelas novas de diabos velhos onde os pássaros sapateiam no abismo e é tão longe e tão igual o amanhã e o hoje”.
RMM
22 de Maio de 1869
Senhor:
Recebi precisamente ontem a vossa carta datada de 21 de Maio; era vossa. Pois bem, confesso que, infelizmente, não posso perder este pretexto de vos apresentar as minhas desculpas. E eis porquê: porque se vós, aqui há dias, me tivésseis anunciado, na ignorância do que de aborrecido pode suceder nas circunstâncias em que a minha pessoa se vê, que os fundos estavam prestes a esgotar-se, eu ter-me-ia coibido de lhes tocar; e teria, decerto, sentido tanta alegria em não escrever aquelas três cartas, como vós em não as terdes lido. Resolvestes fazer vigorar o deplorável sistema de desconfiança vagamente prescrito pela bizarria de meu pai; mas também adivinhastes, e bem, que as minhas dores de cabeça me não impedem de medir com atenção a difícil situação em que até aqui vos tem colocado uma folha de papel de carta vinda da América do Sul, cujo principal defeito é a falta de clareza; pois não levo em linha de conta a inconveniência de certas observações melancólicas que facilmente se perdoam a um velhote e que, à primeira leitura, me pareceram ter o ar de vos impor, talvez para o futuro, a necessidade de sair do vosso estrito papel de banqueiro, perante um cavalheiro que vem morar para a capital...
... Desculpai, Senhor, tenho um pedido a fazer-vos: se o meu pai enviar outros fundos antes do dia 1 de Setembro, altura em que o meu corpo fará uma aparição diante da porta do vosso banco, podereis ter a bondade de me informar? De resto, estarei em casa a qualquer hora do dia; mas não tereis mais do que me enviar um simples cartão, que eu o receberei, segundo todas as probabilidades, ao mesmo tempo, por assim dizer, que a menina que me tocar à campainha, ou até antes, se estiver no vestíbulo...
... E tudo isto, repito-o, por uma bagatela insignificante de formalidade! Apresentar dez unhas de fome em vez de cinco, é uma bela partida: depois de muito ter pensado, confesso que ela me pareceu eivada de uma notável soma de importância nula...
Conde de Lautréamont
“Outra vez um domingo a mesma tarde carregada de ausências solitárias que dançam a valsa dos fantasmas lá fora os pássaros sapateiam sobre o abismo das vidas supostamente cheias a minha vida como um copo que se bebe a tua vida a vida dela que eu não conheço apenas sei que tem um cão grande e branco como um fantasma que ronda os delírios nos canis onde outros esperam pela certeza da morte mas hoje neste domingo e sempre sobrevive apenas a incerteza dos pássaros de não saber que abismo será então ela não obstante o cão demasiado bela demasiado longe como uma flor qualquer de certeza que não para a tua cabeça corrupta poluída de cancelas velhas e de diabos novos de cancelas novas de diabos velhos onde os pássaros sapateiam no abismo e é tão longe e tão igual o amanhã e o hoje”.
RMM
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